terça-feira, 31 de agosto de 2010

Naga



A Naga é uma entidade omnipresente nas mitologias hindu e budista, fazendo parte, ainda hoje, das tradições culturais contemporâneas  em países como a Índia, Nepal, Bali ou Sri-Lanka. Trata-se de uma serpente semi-divina, com forma humana. Intimamente associada à água e aos rios, é um símbolo poderoso da vida, mas também está relacionada com a morte devido ao seu veneno.

Segundo a lenda, elas surgiram a partir de cabelos e pêlos do corpo de Brahma durante o seu trabalho de criação do mundo. Possuem um corpo meio humano e meio serpente e são consideradas as protetoras de fontes, poços e rios, trazendo a chuva. 

São adoradas como símbolos de fertilidade, especialmente na Índia meridional. Algumas das nagas mais conhecidas são: Ananta (símbolo da eternidade) e Manasa (deusa de fertilidade). O mito das nagas também aparece noutras regiões da Ásia: para os marinheiros malaios, elas são enormes dragões marinhos. Em Java e na Tailândia, a Naga é uma serpente mítica infernal que possui imensas riquezas.

Segundo uma lenda budista, uma Naga compassiva, ao ver Buda sendo castigado pelo vento e pela chuva enquanto meditava, enroscou-se sete vezes à sua volta e colocou sobre ele as suas sete cabeças, como um telhado. Buda converteu-a depois à sua fé.

Outra lenda, recolhida na Índia, em princípios do século V, conta:

"O rei Asoka chegou a um lago, perto do qual havia uma torre. Pensou destruí-la para edificar outra mais alta. Um brâmane fê-lo penetrar na torre e, uma vez lá dentro, disse-lhe:
- A minha forma humana é ilusória; sou realmente um Naga, um dragão. Os meus pecados fazem com que eu tenha este corpo espantoso, mas observo a lei que Buda estabeleceu e espero redimir-me. Podes destruir este santuário, se acreditas ser capaz de erguer outro melhor.
Mostrou-lhe os vasos do culto. O rei olhou-os com inquietação, porque eram muito diferentes dos que os homens fabricam, e desisitiu do seu propósito."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Neófito

VIBRAÇÃO: mente universal
PALAVRAS-CHAVE: crescimento, estudo, entendimento
PONTO ALTO: A receptividade mostra que toda a experiência colabora com a evolução da alma
PONTO BAIXO: Vença a ignorância. A vida é feita de padrões que você mesmo criou

O Neófito é um praticante de magia que ainda está em aprendizagem, estudando os costumes da antiga religião sob a orientação de um adepto da bruxaria. O Neófito simboliza o primeiro nível da aprendizagem. No segundo nível da iniciação, o praticante pode receber permissão para assumir as responsabilidades de Sacerdote ou de uma Sacerdotisa. No entanto, a verdadeira iniciação só acontece com as bençãos do espírito, que pode conceder poder ao praticante ou tirar esse poder a qualquer momento da vida dele. Não é a vontade humana que tem o poder, é o espírito humano que é chamado a despertar para o plano superior.

O Neófito indica que é tempo de procurarmos uma compreensão mais profunda da vida e deste mundo. O que ainda não está claro ficá-lo-á, à medida que os ensinamentos progridem. Atentemos nas sincronicidades, sigamos os nossos instintos ou conversemos com uma pessoa sábia pois este é um momento muito importante para o nosso crescimento espiritual. Seja o que for que esteja acontecendo na nossa vida, más circunstâncias ou não, é o que necessitamos para nos sintonizarmos com o nosso Eu superior - este plano da existência é uma escola da verdade.

Se cometemos sempre os mesmos erros, este é um momento de buscar o conselho de outros ou de mergulhar no nosso mundo interior e seguir os conselhos do sábio que existe dentro de nós. Só nós próprios conhecemos de verdade os nossos padrões, anseios e medos mais profundos daí ser fundamental aproveitarmos qualquer oportunidade para crescer espiritualmente, antes que a roda do Karma gire outra vez.

EXERCÍCIO DE MAGIA - A Roda do Karma

Desenhe um círculo e divida-o em oito partes. Em cada parte anote as questões que são uma constante na sua vida, tais como, depressões, frustrações, raiva, dúvidas, perdas, etc. Desenhe outro círculo dividido em oito partes e anote o oposto de tudo o que escreveu no outro círculo, como alegrias, compaixão, confiança, abundância, paciência, etc. Medite a respeito da lacuna que existe entre essas palavras (por exemplo, entre depressão e alegria) e faça uma afirmação que represente um equilíbrio entre esses dois estados. No caso da depressão e da alegria, o espaço intermediário poderia conter afirmações como: "Eu incorporo a paz interior e o contentamento".

Agora pode mudar os seus padrões kármicos. Acredite que isso seja possível, e assim será!

Lenda da Lagoa das Sete Cidades

Há muitos, muitos anos, vivia no Reino das Sete Cidades uma pequena princesa chamada Antília. A menina era a filha única de um velho rei viúvo que era conhecido pelo seu mau feitio. Senhor das Alquimias e do Saber, o rei vivia em exclusivo para a sua filhinha, não gostando que a princesa falasse com ninguém. A menina ora estava com o pai, ora estava com a velha ama que a criara desde o nascimento, altura em que a rainha sua mãe falecera.

Os anos foram passando, Antília foi crescendo e um dia já não era mais aquela menina de tranças loiras caídas sobre os ombros, enfeitadas com flores silvestres; tinha-se transformado numa linda jovem, uma princesa capaz de encantar qualquer rapaz do seu reino. Contudo, se todos ouviam falar da beleza da jovem princesa, eram poucos ou nenhuns os que a conheciam, pois o rei não gostava que ela saísse do castelo nem dos jardins que o circundavam.

Mas Antília não se deixava intimidar pelo pai, e com a ajuda da velha ama costumava esquivar-se todas as tardes, enquanto o rei dormia a sesta depois do almoço. Saía pelas traseiras, sem que ninguém a visse, e ia passear pelos montes e vales próximos. Num desses passeios, andando pela floresta, um dia a princesa escutou uma música. A música era tão linda, encantou-a de tal forma, que ela se deixou guiar pelo som e foi descobrir um jovem pastor a tocar flauta, sentado no cimo de um monte. Era ele o autor de tanta maravilha!

A princesa, encantada, deixou-se ficar escondida a ouvir o jovem a tocar flauta. E ouviu-o escondida durante semanas, até que o pastor, um dia, a descobriu por detrás de uns arbustos. Ao vê-la foi amor à primeira vista, e era recíproco, pois ela também estava apaixonada por ele. Os jovens continuaram a encontrar-se. Passavam as tardes a conversar e a rir, o pastor a tocar para a princesa e ela a escutá-lo enlevada, e ambos se sentiam muito felizes juntos.

Um belo dia, o pastor decidiu pedir a princesa em casamento. Logo pela manhãzinha, o jovem bateu à porta do castelo, e pediu ao criado para falar com o rei. Pouco depois, o criado voltou e levou-o à presença do soberano. Muito nervoso mas determinado, o pastor fez-lhe uma vénia e, olhando-o nos olhos, disse: - Majestade, gosto muito de Antília, sua filha, e gostaria de pedir a sua mão em casamento. - A mão de minha filha, NUNCA... OUVISTE... NUNCA!- disse o rei aos berros.- Criado, põe este pastor atrevido na rua. O jovem bem tentou argumentar, mas ele não o deixava falar, e expulsou-o do castelo.

Em seguida o rei mandou chamar Antília e proibiu-a de ver o pastor. Antília mais não fez do que acatar as ordens do rei seu pai. E nessa mesma tarde foi ter com o seu amor e disse-lhe que nunca mais se podiam encontrar. Os dois jovens choraram toda a tarde abraçados. As suas lágrimas, de tantas serem, formaram duas lindas e grandes lagoas, uma verde da cor dos olhos da princesa, a outra azul da cor dos olhos do pastor. E ainda hoje estas duas lagoas continuam no Vale das Sete Cidades, na Ilha de São Miguel, lá nos Açores, para avivar a memória de todos quantos por ali passam, e recordar o drama dos dois apaixonados.


A Moura Cassima



Esta lenda passa-se na véspera da reconquista de Loulé aos Mouros pelo Mestre D. Paio Peres Correia. Loulé estava sob domínio dos mouros e seu governador tinha três belas filhas que muito amava e que se prezava de educar dentro das mais rigorosas tradições da sua terra: Zara, Lídia e Cassima, que era a mais nova. Este governador era um conhecedor dos segredos da magia.

Quando D. Peres se encontrava no exterior da muralhas da cidade pronto para conquistar a cidade, o governador levou as suas filhas até uma fonte onde as encantou, com o objectivo de as preservar de um possível cativeiro. Os mouros, nessa noite, fugiram para Tânger mas na esperança de voltarem em breve para retomar a cidade.

Mas o velho governador não conseguia viver feliz ao pensar na pouca sorte das suas pobres filhas. Até que num certo dia apareceu em Tânger um "carregamento" de escravos vindos de Portugal onde se encontrava um homem de Loulé, um carpinteiro, que o governador não hesitou em comprar.


Já no palacete, o mouro perguntou ao carpinteiro se ele não gostaria de voltar para perto da sua família. Este, sem perder um segundo, disse que sim. Logo o mouro pegou num alguidar cheio de água dizendo ao louletano para ele se colocar de costas para o alguidar e saltar para o outro lado, prevenindo-o que se caísse dentro da água iria afogar-se no oceano. Deu-lhe três pães e explicou-lhe que em cada um deles estava escrito o nome de cada uma das suas filhas. Na véspera de São João, à meia-noite, iria até à fonte onde elas estavam encantadas e atirá-los-ia lá para dentro, um a um, dizendo alto o nome de cada uma delas: Zara, Lídia e Cassima. Depois voltaria para casa e esqueceria o assunto.

 O carpinteiro saltou e como num passe de mágica chegou a sua casa abraçando a sua mulher. Logo de seguida, foi até um canto da casa e escondeu os três pães dentro de um baú. Passaram-se muitas semanas, pois que o tempo de S. João ainda estava longe. Um dia, a mulher do carpinteiro descobriu os pães e ficou desconfiada por eles estarem escondidos, então pegou numa faca a fim de ver se havia alguma coisa lá dentro. Ao espetar a faca, de imediato, ouviu um grito e as suas mãos encheram-se de sangue vindo do interior do pão. Cheia de medo, escondeu o pão entre os outros, fechou a arca e saiu dali à pressa.


Na véspera de S. João, o carpinteiro estava indiferente à animação pois só pensava em cumprir a promessa por ele feita ao ex-governador e, logo que pôde, pegou nos pães e foi até à fonte. Chegando a altura certa,  atirou o primeiro pão para a fonte e gritou por Zara, a mais velha das irmãs. Uma figura feminina subiu no espaço e desapareceu diante dos seus olhos. Logo de seguida atirou o segundo e gritou por Lídia. Voltou a aparecer-lhe outra bela rapariga que desapareceu no ar diante dele. Por fim atirou o terceiro e gritou pela filha mais nova do ex-governador mas nada aconteceu. Voltou a gritar por Cassima e uma jovem moura apareceu-lhe agarrada à borda da fonte dizendo-lhe, entre gemidos,  que não podia sair dali  por causa da curiosidade da sua esposa.

O carpinteiro implorou perdão em nome da sua pobre mulher e Cassima, dizendo  que a perdoava ofereceu-lhe um belo cinto feito de ouro e pedras preciosas instruindo-o para cingir a mulher com ele quando desse à luz o seu filho. Depois, entre gemidos, deixou-se escorregar até ao fundo da fonte...


No caminho, o carpinteiro, para ver melhor a beleza do cinto, colocou-o em redor de um tronco de um grande carvalho, mas de imediato a arvore cai upor terra, cortada cerce pelo cinto fantástico. Benzendo-se e rezando, o carpinteiro compreendeu tudo: Cassima dera-lhe o cinto apenas para se vingar! Sua mulher ficaria cortada ao meio, como o carvalho gigantesco!...

Correu para casa, abraçou a mulher e nessa noite não conseguiu pregar olho com medo que a moura ali aparecesse, mas isso nunca aconteceu. Tal como a moura Cassima lhe dissera, não mais poderia sair da fonte. Apenas por vezes, segundo se diz - principalmente nas vésperas de S. João - ela consegue agarrar-se à beira da fonte e chorar tristemente o seu encantamento aos que se aventuram por até lá....

domingo, 29 de agosto de 2010

A Moura do Arco do Repouso



O castelo de Faro foi conquistado na ofensiva cristã de Afonso III e de Paio Peres Correia, em 23 de Fevereiro de 1249. O exército real e os homens da Ordem de Santiago tinham cercado as muralhas e os navios do rei tinham cortado, no mar, todas as possibilidades de socorro. Assim, ao fim de algum tempo, os mouros renderam-se.

Diz a lenda que parte das forças que atacaram o Castelo de Faro fora colocada no largo actualmente chamado de São Francisco, e estas forças eram comandadas por um brioso cavaleiro, robusto e formoso rapaz. Este oficial pôde ver, em certa ocasião, a formosa e gentil filha do governador mouro e dela ficou enamorado. Por algum tempo namoraram por intermédio de um escravo da moura que ia e vinha com recados.

Certo dia o guerreiro conseguiu convencer a bela moura a encontrarem-se pela noite, na porta do nascente, hoje conhecida por da Senhora do Repouso. O costumeiro intermediário abriria a dita porta, à hora combinada, esgueirando-se o cavaleiro para dentro, para o seu encontro amoroso.

Antes de a noite cair, porém o cavaleiro dirigiu-se a alguns amigos e disse-lhes do encontro com a sua amada pedindo-lhes que se não voltasse depois de algum tempo, quando tomassem o castelo, que poupassem a filha do governador. Trataram os amigos de o demover daquela empresa, mas, ante a firmeza da sua decisão, prometeram cumprir as suas ordens.

À hora marcada, entrou o oficial no castelo e aí em doce colóquio se entreteve com a dama dos seus encantos. À hora de sair, encaminharam-se ambos até à porta do castelo, levando consigo um irmão da rapariga, criança de oito anos.

Quando se aproximaram da porta, disse-lhes o escravo que aí ficara de guarda que do lado de fora estava muita gente, pois que mais de uma vez lhe chegava aos ouvidos vozes abafadas e um ou outro tinir de espadas. A moura estremeceu.

- Nada temas, que respondo pelos que estão de fora - disse o cristão, enquanto lhe dava um beijo de despedida. O escravo destrancou a porta e, no momento em que a entreabria para que o cavaleiro saísse, os batentes foram impelidos de fora com fúria. Apareceu, então, um grupo de cristãos, que numa gritaria de estontear, clamavam pelo guerreiro que já não esperavam voltar a ver. Este recuou uns passos e tomou nos braços a sua amada, intentando protegê-la, enquanto clamava: - Para trás, para trás! Estou aqui!



No castelo soara já o alarme e de todos os lados surgiam defensores armados até aos dentes. Vendo-se em perigo iminente, o cavaleiro enamorado avançou para fora com a moura ao colo e o irmãozinho ao lado. Porém, ao transpor a porta, notou que tinha nos braços não uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam à mais pequena e leve aragem. Olhou para o lado e não viu a criança. Então teve a sensação estranha de lhe ter acontecido qualquer coisa de profundo e incompreensível e desmaiou desamparado.

Acordou horas depois, já na sua tenda do arraial, tendo ao lado um amigo e companheiro de armas. O amigo explicou-lhe que o tinham encontrado caído à porta do castelo quando tentaram entrar por o julgarem morto numa cilada. O governador, porém, acudira bem armado e rechaçara o pequeno grupo cristão. Nesse momento, D. Paio Peres e D. João Aboim acudiram com os seus exércitos e forçaram os mouros a entrar no castelo.

Depois de ouvir tudo isto, o cavaleiro dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabeça de uma criança que assomava por um buraco. Reconhecendo nela o mourinho da sua amada, perguntou: -O que fazes aí, menino?

- Estamos aqui encantados: eu e a minha irmã.
- Porquê? Quem vos encantou?
- O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braços a minha irmã acompanhada por mim e, invocando Allah, encantou-nos aqui no momento em que transpunhas a porta. Por atraiçoarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.
- Por muito tempo?
- Enquanto o mundo for mundo - respondeu a criança com um ar misterioso, enquanto se ia diluindo nos ares.

O guerreiro chorou. Ainda quis perguntar pela moça, mas o mourinho tinha desaparecido sem deixar rasto. Diz-se que nunca mais riu. Terminado o cerco, pediu ao rei dispensa do exército e recolheu-se a um convento, onde professou.


in Lendas Portuguesas, de Fernanda Frazão, Amigos do Livro Editores

O Castelo da Serra da Nó

Na região do Minho, a caminho de Ponte de Lima, fica a serra da Nó. Diz o povo que sob a terra há um belíssimo castelo cheio de fabulosas riquezas e habitado por Abakir e Zaida. Se alguém tiver coragem para escavar bem fundo a terra, encontrará ainda hoje tudo quanto um dia foi submergido por forças ocultas e estranhas, despertadas pelo poderoso alcaide.

Conta a lenda que há muitos séculos atrás, no tempo da reconquista cristã, havia no alto da serra um castelo maravilhoso onde reinava Abakir, o mouro ao qual os cristãos chamavam o Feroz. Abakir era um homem sedento de todos os poderes e prazeres terrenos. Possuía um harém com algumas das mais lindas mulheres do mundo. Em tempo de tréguas com os cristãos, dividia os dias entre a montaria e as suas mulheres.

Um dia, Abakir, deu-se conta de que havia uma mulher no seu harém diferente das outras. Apesar de o tratar com ternura e afagos, como as outras, fazia-o com uma indiferença tal que ele acabou por o sentir. Ficou espantado. Como não estava habituado a ser tratado daquele modo, tratou de a cativar. Abakir deu por si a amá-la e, pouco a pouco, Zaida abandonou a indiferença dos gestos vazios .

Foi um amor tresloucado, tão louco e esquecido de tudo que Abakir mandou embora as mulheres do seu harém e jamais tornou a lembrar-se de governar o seu povo, de guardar a sua gente. O seu descuido era tal que, certo dia, foi surpreendido pela notícia de que os cristãos sitiavam o seu castelo. Achou-se então abandonado pelos seus guerreiros, que haviam partido para outros castelos onde os alcaides estivessem atentos às suas necessidades de soldados.

Ao ver que nada e ninguém o poderia salvar e que não havia fuga possível, Abakir pegou em Zaida pela mão e levou-a até uma pequena sala repleta de coxins de seda e damasco. Agarrou-lhe as duas mãos e concentrou-se silenciosa e profundamente. Pronunciou palavras misteriosas e, num segundo, os cristãos viram-se a sitiar coisa nenhuma: o castelo, os seus habitantes e as suas fabulosas riquezas desapareceram nas profundezas da terra.

Abakir e Zaida ainda podem ser vistos em noites de luar, vigiando a serra para não serem perturbados no seu amor e aparecendo àqueles que ousam tentar descobrir o mistério do castelo encantado!



Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Lenda da Boca do Inferno

Perto de Cascais, existe uma  lenda ligada aos rochedos e redemoinhos conhecidos como a Boca do Inferno. Há muito, muito tempo existia por ali um enorme castelo, paço habitado por um homem de aspecto feroz e satânico que, nas horas da sua actividade, cultivava a arte da feitiçaria. Um dia, esse homem decidiu casar-se e, para escolher a mais bela mulher das redondezas, consultou a sua lâmina de cristal de rocha para identificar o local e a casa onde deveria mandar buscá-la. Quando viu a mulher que os seus cavaleiros trouxeram, ficou estupefacto.

Era mais bela do que imaginara ao vê-la sugerida na lâmina das adivinhações. Diz-se que lhe deu uma fúria de ciúmes e tratou de a esconder da cobiça alheia para preservar o seu amor, mas penso que a escondeu do mundo para se proteger a si mesmo, que não a soubera cativar. Encarcerou a mulher numa torre inexpugnável e solitária, e guardou-a como se guardam aquelas coisas que ao mesmo tempo se amam e detestam, ou temem. Escolheu-lhe para guardião o mais fiel dos seus cavaleiros, exactamente o homem que nunca a vira, para que mais cegamente a guardasse.




Frente ao mar o tempo passava, cronometrados os dias pelas marés, as semanas pela sucessão dos dias e das noites, os meses pela lua. Tão só se sentia o guardião como a cativa do seu senhor. O horizonte de ambos era o mar eternamente sempre outro e o mesmo. A música que a ambos chegava era a dos seus pensamentos, a do marulhar revolto ou terno das ondas, o sibilo do vento por entre as rochas. Assim passava o tempo e não passava, porque o tempo para ser tempo tem de se referenciar à vida, e ali não se passava nada que fosse vivo.

Até que, um dia, o ócio provocou no cavaleiro uma curiosidade inadiável. Insensivelmente, deu por si a pensar que mulher era aquela que merecia tão triste reclusão. Pouco depois, encontrou-se a desejar abrir a porta da torre para ver ao menos o rosto da mulher que guardava. Por fim, achou-se frente à porta de chave na mão.

Meteu-a na fechadura e rodou. A porta rangeu de ferrugem quando o cavaleiro se apoiou nela lentamente. E enquanto subia a escada de caracol que levava à câmara da cativa, talvez mil pensamentos se lhe entrecruzassem silenciosamente no cérebro: o que iria encontrar? Seria bonita ou horrorosa? Se calhar era aleijada! Muda ou doente! E se estivesse morta? Não, na realidade enquanto subia as escadas não pensou nada. Estava apenas expectante e quem vive expectativas não se pergunta nada, ainda que na sua espera hajam inscritas todas as interrogações do mundo.

Frente à porta da câmara da sua cativa, o cavaleiro parou para acalmar o coração e tomar coragem. Quando conseguiu dominar a tremura das pernas e das mãos, empurrou a porta. O sol, que entrava por uma das ogivas da torre, bateu-lhe nos olhos e cegou-o por momentos. Pouco a pouco, retomou a visão e a névoa foi-se dissipando até o deixar frente à mulher que a sua expectativa não pudera imaginar.

Semi-voltada, a cativa da torre, tão espantada quanto o guardião, olhou-o interrogativa, esperando a palavra que não veio, acabando por perguntar: - Quem és tu, cavaleiro? Porque vens perturbar-me a solidão?
E o homem, quando achou de novo a sua voz, respondeu finalmente: - Sou o vosso guardião, senhora! –e baixinho disse para si mesmo: «Agora o compreendo a ele…» - O meu guardião! Guardião de quê? Desta solidão sem nome e sem razão? Vê, vê como se consomem os meus dias, sem prazer, sem ilusão!... ao menos tu… - Eu , senhora? Eu estou ali em baixo tão só como vós, e a guardar o quê, para quê?! Mas a partir de hoje talvez possamos partilhar as nossas horas perdidas neste ermo. Tudo o que quiserdes, senhora, ordenai! Levar-vos-ei onde pedirdes!...

Diz a lenda que assim nasceu um louco amor assente sobre a cumplicidade dos segredos e das solidões. Os dias nunca mais foram lentos, o tempo fugiu à desfilada e instalou-se eterno e instante. Um dia olharam-se, cativa e guardião, e perguntaram-se o que faziam ali. Porque estou eu prisioneira? De que sou eu guardião? Acharam aquela torre uma masmorra absurda. Que guarda um guardião sem chave? Como se sentir prisioneiro de uma prisão aberta?

Partiram. Esqueceram tudo e esqueceram também o castelão feiticeiro que tudo sabia. Numa noite de luar montaram ambos o cavalo branco do cavaleiro e cavalgaram a toda a brida sobre os rochedos fronteiros ao mar. No paço, o feiticeiro, louco de ciúmes e de raiva incontrolada, transformou a noite numa concentração de todas as tempestades e malefícios do mundo. Sob as patas do cavalo abriram-se os rochedos negros de par em par, como se ali fosse uma das entradas do inferno. Cavalo e cavaleiros despenharam-se no abismo redemoinhante e foram engolidos pela boca do mar.




Assim que os dois amantes solitários desapareceram no redemoinhar infernal, acalmou a tempestade e o mar voltou a ficar manso como se nunca tivesse estado diferente. O buraco nos rochedos, porém, nunca mais fechou, como se a ferida da natureza quisesse perpetuar esta história. E talvez assim fosse, já que muitas vezes volta o vento e retoma a fúria do mar, tal como no dia em que morreram a cativa e o guardião da torre.

Por isto mesmo, e porque o povo da região nunca esqueceu a história, se chama àquele local de mistério Boca do Inferno.

Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores

O Sumo Sacerdote

VIBRAÇÃO: consciência
PALAVRAS-CHAVE: tutela, sabedoria, orientação
PONTO ALTO: com sabedoria, nada é impossível
PONTO BAIXO: ênfase na humildade

O Sumo Sacerdote é o aspecto masculino da proficiência. Ele indica alguém versado nos caminhos da sabedoria e autorizado a realizar rituais sagrados. Na Wicca, o Sumo Sacerdote dá apoio à Alta Sacerdotisa durante os rituais e, quando necessário, serve como complemento masculino para a deusa ou para as sacerdotisas.

O Sumo Sacerdote propõe-nos que nos deixemos guiar pela maturidade e que evitemos assumir compromissos que, no momento, estão além das nossas capacidades. Sejamos fiéis àquilo em que acreditamos mas respeitando sempre a sabedoria dos outros e agindo com humildade.

O sábio ou o ancião sabe que a humildade é vital para a manifestação da graça. Ao passarmos por situações humilhantes, podemos recompor-nos e continuarmos fiéis aos nossos propósitos mais elevados, se confiarmos que existe uma razão para estarmos neste mundo.

EXERCÍCIO DE MAGIA - Explorar o mundo interior

Procure descobrir o que há no seu mundo interior que sinta que tem de defender - aquilo que guarda a sete chaves, longe do olhar de todos. Será que esse mundo está repleto de tesouros que precisam de protecção? Ou está cheio de coisas para as quais prefere nem olhar, levando-o a mostrar as garras cada vez que algo o desafia? Observe as suas reacções e padrões habituais e procure substitui-los por outros positivos.





quarta-feira, 25 de agosto de 2010

The Beginning of Memory


Laurie Anderson - The Beginning of Memory (Homeland 2010)

Lenda do "Vai-te com o diabo"

A Lenda do "Vai-te com o Diabo"  faz parte da tradição oral da ilha Graciosa, arquipélago dos Açores. Reza esta lenda que uma mulher de poucas posses que vivia na localidade do Guadalupe, ia casar uma filha dentro de poucos dias. Ultimavam-se os preparativos, cozinhava-se o pão, faziam-se os doces, assavam-se as carnes, preparavam-se as coisas para um casamento feito em casa à moda antiga, como era normal nesses tempos.

Com todos estes afazeres, a pobre mulher já tinha gasto mais dinheiro do que as suas parcas posses lhe permitiam. Tendo faltado um ingrediente importante para a boda, a filha foi junto da mãe pedir-lhe mais dinheiro para o ir comprar. Já farta de tantos gastos, meio aborrecida, meio furiosa, a mãe virou-se para a filha e vociferou : "Vai-te com o diabo, rapariga, que me levas tudo o que tenho!"

Era um desabafo e ninguém prestou atenção a estas palavras. No entanto e como a rapariga nunca mais voltava , começaram a achar estanho e puseram-se à procura dela.Mas não a encontraram nem nas imediações nem nos caminhos que ela deveria ter percorrido.

Os vizinhos da vila do Guadalupe foram alertados e imediatamente todos se puseram à procura dela por todos os lados da vila, de casa em casa, no porto, nos chafarizes, em casa do noivo que também participava na busca, nos moinhos, palheiros, em todos os locais possíveis.

Depois da vila, expandiram as buscas para as pastagens e para a serra onde, junto do lugar denominado Caldeirinha, encontraram aquilo que poderiam ser os primeiros vestígios. Com o objectivo de encontrarem a rapariga, desceram rapidamente a perigosa vereda. Na descida encontraram as galochas da rapariga em cima de uma rocha, fazendo com que todas as dúvidas se dissipassem.

Se ela não estava ali, pelo menos devia estar por perto. E se não estava em local visível, só podia estar dentro da Caldeirinha. Foram então à vila buscar cordas suficientemente fortes para aguentarem o peso de uma pessoa, e, atando-as à volta da cintura, o noivo desceu à procura da sua amada.

Estavam todos ansiosos pois muitos acreditavam que a caldeira poderia ser uma das entradas do Inferno. Cheio de medo, aos poucos, o noivo foi descendo pela abertura estreita da caldeira, um buraco negro e medonho. Foi lá no fundo que encontrou a rapariga, a tremer de medo e com um ar apático. Amarrou-a às cordas que levara consigo e os dois foram puxados pelas pessoas que lá em cima, ansiosos, os observavam.

Tinham-na encontrado, estava viva e saudável, e podiam assim retomar o casamento. Quando perguntaram à rapariga o que se tinha passado e como tinha ido ali parar, ela pura e simplesmente não sabia responder . Foi então que a mãe se recordou da blasfémia que tinha dito ao mandá-la para o diabo. O mesmo que, acreditam os povos, anda sempre à procura de almas para levar para o Inferno, e que logo a levou consigo, escondendo-a nos fundos da Caldeirinha.

algar vulcânico, Caldeirinha de Pêro Botelho, Ilha da Graciosa (foto de J. C. Nunes)

O Ramo Prateado


VIBRAÇÃO: o coração
PALAVRAS-CHAVE: amor, felicidade, saúde
PONTO ALTO: o coração está receptivo ao amor e à harmonia
PONTO BAIXO: fique atento aos desejos e vontades

O ramo prateado é um ramo de macieira, símbolo da deusa do amor - Afrodite/Vánus e da deusa celta Branwen. A Ilha de Avalon também é conhecida como a Ilha das Maçãs... Quando a maçã é cortada transversalmente, as sementes formam a figura de um pentáculo, indicando o poder espiritual que está presente na fruta. Também existe o ramo dourado, que pertence ao visco, mais sagrado ainda quando cresce num carvalho.

O ramo prateado concede-nos a dádiva do amor e da felicidade. O que vivemos recentemente será agora abençoado pelos raios da benevolência amorosa e colocado em evidência. Se procurarmos reagir de forma amorosa às atitudes alheias, fortaleceremos o nosso coração as vibrações de amor aumentarão em todas as áreas da nossa vida.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Lenda da Cova Encantada

foto retirada daqui

Na serra de Sintra existe uma rocha com um corte, perto do Castelo dos Mouros. Diz a tradição que o corte marca a entrada para uma cova que tem comunicação com o castelo. É conhecida por Cova da Moura ou Cova Encantada.

No tempo em que os Mouros dominavam Sintra, um cavaleiro nobre cristão foi feito prisioneiro. Zaida, a filha do alcaide, apaixonou-se por ele. Um dia, o resgate foi pago e o cavaleiro libertado. Apaixonado também por Zaida, o cavaleiro pediu-lhe para fugirem. Zaida recusou, mas pediu-lhe para nunca mais a esquecer. O nobre cavaleiro voltou para a sua família. Tentou esquecer Zaida nos campos de batalha mas não conseguiu. Decidiu atacar de novo o castelo de Sintra. Durante esse combate, o nobre cavaleiro tombou ferido. Zaida arrastou-o através de uma passagem secreta até uma sala escondida numas grutas. Enquanto enchia uma bilha de água para levar ao seu amado, foi atingida por uma seta e caiu ferida. O cavaleiro cristão juntou-se ao corpo da sua amada. Mais tarde, os dois foram encontrados já sem vida.

Diz a lenda que, em certas noites de luar, aparece junto à cova uma formosa donzela vestida de branco a encher uma bilha de água, desaparecendo de seguida após um doloroso gemido.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Fadas



As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar...

Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder...

O vestir... são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu...

Quando a noite é clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobrar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.

O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Horas se ficam sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.

Eu sei o nome de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.

Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir...
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei de Merlin?

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa
A varinha de condão!

O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! Parece um conto...
Mesmo de fadas... eu sei!
São condões que dão à gente,
Ou dinheiro reluzente
Ou jóias, que nem um rei!

A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada... ai, que feliz!
São palácios, num momento...
Beleza, que é um portento...
Riqueza, que nem se diz...


Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, descrição...
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!

Mas com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há-de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há-de mentir.

Quem as ofende...cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!

E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo do chão...
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! Um dragão!

Ou deitam sortes na gente...
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer...
É-se morcego ou veado...
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!

Por isso, quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.

Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que se diz;
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa;
E torna-o logo feliz.

Quantas vezes, já deitado,
Mas sem sono, inda acordado,
Me ponho a considerar,
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar...

O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com o seu lago prateado
E com pavões no jardim?

Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos.
Ou então, saber voar!

Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser!)
Me tocasse com a varinha,
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver...

E que amanhã acordasse
E me achasse... eu sei? me achasse
Feito um príncipe, um emir!...
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando...
Deixa-me já, já dormir!”

Antero de Quental

O Espelho


VIBRAÇÃO: chackra do terceiro olho
PALAVRAS-CHAVE: percepção, reflexão, lucidez
PONTO ALTO: as suas percepções estão correctas
PONTO BAIXO: honestidade e lucidez são necessárias


Os espelhos são os reflectores da vida "como ela é"; revelam exactamente o que se apresenta, sem adornos. Atribuídos à Deusa, eles são empunhados pelas deusas do amor, Hathor e Vénus / Afrodite, e pela sedutora fada celta Morgana, entre outras. Dizem que os espelhos são um portal para outros reinos e que podem ser usados para reflectir de volta qualquer negatividade.

Não devemos deixar enganar-nos pelas falsas aparências: as coisas nem sempre são o que parecem ser. Sinta e veja exactamente o que está sendo reflectido de volta para si e, acima de tudo, confie nas suas percepções. O seu corpo energético é capaz de sentir em todos os níveis e geralmente fala consigo através de uma sensação de inquietação ou confusão.

Se algo não parece estar certo, analise cuidadosamente o que está a acontecer antes de tomar qualquer atitude. Observe tudo cuidadosamente, reflicta bem e confie na sua intuição. Procure refrear as fantasias e atitudes idealistas à medida que expande a sua lucidez. A honestidade consigo mesmo e com os outros é essencial.

EXERCÍCIO DE MAGIA - Espelhos de Protecção

Quando for alvo de negatividade alheia, visualize-se cercado de espelhos voltados para fora e peça que qualquer energia extraviada seja reflectida para longe de si e absorvida pela luz.


Referência Bibliográfica:

MORNINGSTAR, Sally, O Livro Wicca, Pensamento

domingo, 22 de agosto de 2010

A Senhora


VIBRAÇÃO: arquétipo
PALAVRAS-CHAVE: incorporação, carácter, reconhecimento do próprio poder
PONTO ALTO: tudo o que necessita está ao seu alcance
PONTO BAIXO: estão em destaque questões ligadas à falta de poder

A Senhora é uma outra designação da Alta Sacerdotisa. Representa as energias da Deusa nas cerimónias sagradas e incorpora o carácter e a qualidade de uma determinada divindade, no momento em que a magia é realizada. A sua presença complementa a do Senhor - o Sumo Sacerdote. Juntos, supervisionam, protegem e orientam o que acontece dentro do círculo.

A Senhora significa que podemos andar com as nossas próprias pernas, mesmo que isso, às vezes, não seja evidente. Podemos sentirmo-nos diferentes, nos últimos tempos, e passar por mudanças. Possuímos o poder que está por trás das nossas realidades e, se elas não condizem com os nossos sonhos, então comecemos a transformaçã agora mesmo.

Podemos incorporar qualquer característica que preferirmos e, assim, entrar em sintonia com as energias que estão presentes no mundo exterior. Se acreditarmos no nosso poder pessoal e na nossa força interior, podemos evocar as energias necessárias para suscitar tudo aquilo que precisamos.

EXERCÍCIO DE MAGIA - Incorporar Ísis

Faça um altar a Ísis, a deusa egípcia da fertilidade e da magia, usando cristais de lápis-lazúli, fragrâncias de lótus, luas e estrelas, duas velas azul-escuras, imagens de uma vaca, folhas de palmeira e qualquer iconografia de Ísis que tenha. Numa noite de lua cheia, acenda nove velas brancas em torno de si e do altar. Volte-se para norte e peça a Ísis que o toque com o seu encanto cheio de magia.


Referência Bibliográfica:

MORNINGSTAR, Sally, O Livro Wicca, Pensamento

Lady Godiva


Lady Godiva, tapeçaria de John Collier

Em Coventry viviam-se tempos difíceis. O sol não aquecera os pomares, fazendo com que as azeitonas e as vinhas não produzissem o suficiente para que se fizesse com fartura o azeite e o vinho. A miséria do povo era tão grande  que fazia dos seus habitantes os menos abastados de toda a Inglaterra.

Como se não bastasse a penúria vivida, a insatisfação assolava os habitantes, cada vez mais empobrecidos pelos altos impostos cobrados pelo conde Leofric, senhor absoluto daquele feudo. Grande parte do alimento colhido naquela estação ingrata, saía da boca do povo para que se pagasse os impostos ao nobre senhor. A fome pairava afoita pelas casas, pelos campos, por Coventry.

O conde Leofric era casado com uma das mulheres mais belas de toda a Inglaterra. Seu nome era Godiva (Godgifu - em velho inglês, ou seja,  god gift). Lady Godiva era serena, com cabelos sedosos, longos e dourados como os raios do sol. Os seus olhos eram azuis como o mar, traziam uma expressão de infinito que seduzia ao marido e todos os súbditos. Lady Godiva era de uma bondade imensa. Servos e escravos eram tratados por ela com dignidade. Não se furtava de ajudar aos desvalidos e desprovidos da grandiosidade da vida e da sua opulência secular.

Um dia, os servos trouxeram diante do conde um camponês que fora apanhado a roubar nabos da horta de Leofric. Levado diante do conde, o infeliz declarou que cometera aquela imprudência extrema por não ter nada para comer, que os últimos grãos que colhera foram usados para pagar os impostos devidos. Que os cinco filhos pequenos choravam de fome, atormentando-o toda a noite. Ao ouvir os relatos do infeliz, Lady Godiva comoveu-se, convenceu o marido a não punir o infeliz, fornecendo ainda alimentos para os seus filhos. Mesmo irritado, o conde acedeu à bondade infinita da mulher.

Depois destes acontecimentos, Lady Godiva andou por toda a cidade, montada no seu cavalo, e atravessou as muralhas, rondando por toda a parte. Descobriu que a fome assolava o lugar e que grande parte dos alimentos colhidos iriam para os impostos do conde. Compadecida com o sofrimento daquele povo, Lady Godiva prometeu a si mesma intervir e ajudá-lo.

Quando retornou ao castelo, encontrou o marido no estábulo, a supervisionar a alimentação das bestas. Lady Godiva desceu do seu cavalo e encontrou forças para contar ao marido da tristeza e miséria que se abatia sobre Coventry. Falou com tanta emoção que as lágrimas afloraram-lhe os olhos, derramando-se sobre as faces. O conde ouviu a mulher, que lhe implorava que baixasse os impostos. Não se deixou comover, mas as lágrimas da esposa, a sua veemência em defender os oprimidos, fizeram com que Leofric tentasse um ardil. Usando da sua inteligência sarcástica, esboçou um sorriso irónico e disse à mulher:

-Muito bem, já que insistis tanto na defesa deste povo, comovendo-me com as lágrimas que destroem a cor do céu de vossoa olhos, concedo-vos o pedido. Mas para que se realize, imponho-vos uma condição; que a próxima vez que fordes cavalgar, vós o façais sem roupas, completamente nua pelas ruas de Coventry.

-Tenho a vossa palavra de que se o fizer,  cumprirá a promessa?

-Minha amada, se cavalgardes nua pelas ruas de Coventry, não só baixarei os impostos, como perdoarei a dívida aos mais necessitados.

-Que assim seja feito.

Leofric sorriu para a mulher. A promessa fora-lhe fácil de fazer, difícil seria Lady Godiva cumprir a condição que impusera. Estava confiante de que ela desistiria e, ao sentir-se culpada, deixá-lo-ia em paz com aquelas lamúrias.

Mas Lady Godiva trazia no coração uma bondade maior do que qualquer moral estabelecida pela mesquinhez dos homens. Mandou que os seus servos avisassem ao povo do seu sacrifício para salvá-los dos impostos e da fome. Pediu que durante a sua cavalgada penitente, todos os moradores deixassem as ruas e que se fechassem em suas casas. Comovido com a grandiosidade de Godiva, o povo de Coventry aceitou atender-lhe o pedido.

Assim, Lady Godiva desafiou a ironia e mesquinhez do marido. Despiu as vestes no estábulo e montou, completamente nua, o seu belo cavalo. Cavalgou por todas as ruas de Coventry de cabeça erguida, sem que ninguém ousasse observá-la. Somente Jack, o moleiro, não resistiu a contemplar tamanha beleza. Contrariando todos os moradores, abriu uma fresta da janela da sua casa, e ao olhar tamanha beleza nua a desfilar pelas ruas, viu uma grande luz sobre os seus olhos, que foram cegados para sempre.

Ao retornar da cavalgada, Lady Godiva encontrou o conde à espera. Comovido, ele vestiu as roupas à mulher, depois ajoelhou -se aos seus pés, reafirmando a palavra dada. Levantou-se e beijou a mulher. Leofric retirou os impostos altos. Naquele ano as colheitas foram abundantes em Coventry. O azeite jorrou nos lagares, o trigo transformou-se em pães quentes sobre as mesas, e o vinho abençoou as refeições. Lady Godiva passou a ser amada pelo seu povo, até mesmo por Jack, o moleiro, que depois da luz da nudez da mulher sobre o cavalo, não viu mais nada na vida.

sábado, 21 de agosto de 2010

Lenda da Cabeça da Velha

Diz a lenda que na serra de Peneda vivia Leonor, uma jovem rica e bela, sob a tutela de um tio fidalgo, o poderoso e cruel D. Bernardo.O destino levou esta jovem a apaixonar-se por um fidalgo pouco endinheirado, D.Afonso, facto que não agradou ao tio.

Uma velha aia da jovem, de nome Marta, que servia de intermediária nestes amores, tinha tal dedicação e fidelidade à sua ama que jurara mesmo transformar-se em pedra se alguma vez se visse obrigada a traí-la .

Acontece que, num dia em que a dita aia trazia consigo recado para os apaixonados se irem ver, foi interceptada pelo tio fidalgo e forçada, sob tortura, a divulgar o sítio e hora do encontro, sendo ainda ameaçada se disto desse conhecimento a Leonor ou Afonso. É que o tio decidira ir com os seus criados surpreender os apaixonadas para um severo castigo.

Estava o par trocando juras de amor, quando ouviram um som qualquer, vindo do local onde ficara, de vigia, a aia. Dirigindo-se para lá, não a encontraram deparando apenas com um rochedo que antes não existia. Nele reconheceram as feições da velha aia e, recordando a jura que lhe tinham ouvido, isto foi percebido como o sinal para escaparem para um local bem distante dali, onde, reza também a lenda, finalmente casaram e foram muito felizes.

Cabeça da Velha - Serra da Estrela

O Diabo Negro


Le Diable Noir, de Georges Melies (1905)

O Aliado



VIBRAÇÃO: astral
PALAVRAS-CHAVE: apoio, guia, amizades
PONTO ALTO: o amor é o seu maior aliado
PONTO BAIXO: seja um amigo leal; refreie a língua

Na arte das bruxas, o Aliado corresponde ao animal de poder do xamanismo, que serve como guia e guardião nos reinos astrais. As corujas, os corvos, os gatos e as gralhas em geral assumem a função de um Aliado, embora qualquer criatura possa concordar em ser um guardião e guia. Na Idade das Trevas, os animais de estimação das bruxas eram também perseguidos.

O Aliado indica-nos que as amizades estão em destaque. Podemos observar como o nosso contacto com as outras pessoas afecta a nossa vida e se traz harmonia ou conflitos. Se pedirmos ajuda ao nosso Aliado, ele pode avisar-nos sobre algo que requeira atenção. Não devemos ter receio de pedir ajuda ou apoio de amigos.

EXERCÍCIO DE MAGIA - Encontrar o Aliado

Realize a seguinte visualização: Procure um bosque onde haja muitas árvores antigas e entre em comunhão com os aromas, os sons e as texturas do ambiente. Encontre uma clareira, sente-se no chão, perto de um rio e de árvores altas. Ouve um restolhar de folhas e um animal aparece diante de si. Olham-se nos olhos, enquanto formula uma pergunta ou transmite uma informação. Quando estiver pronto, despeça-se e deixe o bosque pelo mesmo caminho. Agora pode escolher qualquer objecto que represente o seu Aliado.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os Degolados de Montemor-O-Velho



Montemor-O-Velho é uma antiquíssima povoação de Portugal e já existia antes da fundação da nacionalidade. A sua história primitiva, especialmente nos tempos da reconquista cristã, está recheada de batalhas e feitos lendários.

Segundo conta a História, Montemor-O-Velho foi reconquistada aos mouros, pela primeira vez no tempo do rei Ramiro, senhor de Leão, no ano de 848. Mais tarde, em 990, caiu de novo nas mãos dos muçulmanos comandados pelo feroz Almansor, e só em 1034 Gonçalo Trastamires conseguiu reavê-la e entregá-la aos cristãos. Os mouros, porém, voltam a conquistá-la, e quando D. Fernando, "o Magno", anos depois, tomou Coimbra, Montemor-O-Velho foi definitivamente ocupada.

Conta a lenda que, depois de D. Ramiro ter conquistado a vila, se dirigiu ao Mosteiro do Lorvão, para visitar um parente seu, o abade D. João. Quando ali chegou, ficou muito constrangido, pois encontrou o mosteiro em ruínas e os frades na mais completa miséria. Em virtude das razias provocadas pela guerra, os campos estavam totalmente queimados e os frades, esqueléticos, há muito que passavam fome e frio. Apiedado, e para remediar a situação, doou  ao  mosteiro a vila de Montemor, com suas rendas, e alguns campos em redor, para que os cultivassem em proveito próprio. Impôs-lhe, contudo, a obrigação de manter no castelo da vila uma pequena guarnição de monges-guerreiros para defensão das gentes de Montemor e dos arredores.

Assim que D. Ramiro voltou para Leão, o abade D. João mudou-se para a vila com um pequeno grupo de monges, a fim de cumprir o prometido ao Rei. Os restantes frades mantiveram-se no convento tratando da salvação das almas, do cultivo dos campos e da cópia e iluminura de livros antigos.

Pouco tempo se viveu em paz, porém. Algum tempo depois, os campos do Mondego voltam a ser atroados pelos gritos de guerra dos mouros, que, em nova algarada, vêm pôr cerco ao castelo. Longo tempo é sitiada a vila de Montemor. Dentro das muralhas os sitiados defendem-se valorosamente, mas os mouros não têm pressa e os mantimentos vão escasseando. Aguentam os habitantes da vila enquanto podem, até que se lhes esgota a fé e os mantimentos. Não vislumbrando senão a rendição forçada, para pouparem violências e ultrajes às crianças, mulheres e velhos, decidem degolá-los antes da última e desesperada batalha.



Assim, cada homem, num frémito de horror, junta a sua família e encomenda a Deus as almas dos filhos, da mulher, dos pais. A tremer de angústia e dor, pede-lhes perdão, pede perdão a Deus, puxa da sua espada e corta a cabeça a cada um, numa sangrenta mas necessária chacina.

Partem então para a derradeira batalha das suas vidas, desesperados. Contudo, apesar da fome, do cansaço e do desânimo, lutaram tão denodadamente, tão sem medo morte - talvez por a trazerem já dentro de si mesmos - que a batalha foi ganha e de mouros não sobrou nem um. O campo de batalha era um mar de corpos onde se viam poucos cristãos. Porém, nenhum grito de vitória celebrou o feito, nenhum homem levantou a espada ao Céu a agradecer a vitória.

Cabisbaixos, ombros descaídos como se lhes pesasse o mundo todo nas costas, os homens voltaram ao castelo, chorando aquela vitória tão amargurada pelo sacrifício inútil das suas famílias. Aproximavam-se das portas da vila, quando um grito, e outro, os despertam do seu carpir. Olhando em frente, viram, atónitos e logo eufóricos, os mesmos velhos, mulheres e crianças que horas antes haviam degolado.

Milagre, milage! - era o grito de alegria que atroava os campos.


Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores

Gaia


VIBRAÇÃO: corpo e alma
PALAVRAS-CHAVE: cura, sonhos lúcidos, nutrição
PONTO ALTO: O amor incondicional é a chave da cura
PONTO BAIXO: Aceite o que precisa ser curado com amor

Gaia, cujo significado é "de seios fartos", é uma antiga deusa grega da agricultura, da fertilidade e do casamento. Hoje em dia, usamos o seu nome para reverenciar o nosso planeta. Gaia tanto é a colheita como a semente da terra verdejante. Deusa da cura, dos sonhos e da maternidade, ela personifica tudo o que é feminino e cheio de potencial. A sua capacidade de nutrir está actualmente ameaçada devido ao modo como abusamos das suas dádivas. Gaia clama pela cura, tanto de nós mesmos como deste planeta que habitamos.

Se aprofundarmos a nossa ligação com a terra e com todas as dádivas da natureza, podemos ter a oportunidade de desenvolver capacidades e talentos, à medida que celebramos que somos também filhos da natureza. Esta é uma época fértil e profícua para qualquer semente que plantarmos. Existem ciclos no interior de ciclos e ritmos no interior de ritmos. Ouçamos o ritmo que nos chama a atenção.

São muitas as dádivas à nossa disposição. Gaia, a Mãe Terra, pode guiar-nos e sustentar-nos; ela é a personificação do amor de mãe - que é incondicional.

EXERCÍCIO DE MAGIA - Canção Pessoal à Terra

Procure um refúgio no meio da natureza, onde se sinta seguro e inspirado. Sente-se em silêncio, em comunhão com a terra e respire profunda e suavemente. Imagine que é uma semente no seio da terra - uma semente que carrega dentro de si uma doce canção. Imagine que rompe a casca, em busca de luz, abrindo-se para receber calor e afeição. Enquanto rasga a terra, deixe surgir uma nota musical dentro de si. Mova os braços e entoe os sons que brotam do seu interior, enquanto balança suavemente ao sabor da brisa. Aos poucos, vá tecendo a sua ligação à terra até que um som emerja, expresso em palavras ou não. Talvez seja preciso tentar várias vezes antes de se conseguir ouvir o som, pois leva tempo para perder a inibição e ganhar a confiança necessária para expressar  a nossa canção.


Referência Bibliográfica:

MORNINGSTAR, Sally, O Livro Wicca, Pensamento

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Fénix



Em efígies monumentais, em pirâmides de pedra e em múmias, os Egípcios procuraram a eternidade; é razoável que no seu país tenha surgido o mito de um pássaro imortal e periódico, embora a elaboração posterior seja obra dos Gregos e dos Romanos. Na mitologia de Heliópolis, a Fénix é o senhor dos jubiléus ou de largos ciclos de tempo; Heródoto, numa famosa passagem (II, 73) refere com repetida incredulidade uma primeira forma de lenda:

"Outra ave sagrada há ali que só se viu em pintura, cujo nome é o de Fénix. Com efeito, são raras as vezes que se deixa ver e tão de longe em longe que, segundo os habitantes de Heliópolis, só chega ao Egipto de quinhentos em quinhentos anos, ou seja, quando morre o seu pai. Se pelo seu tamanho e conformação é tal como a descrevem, a sua massa e aspecto são muito parecidos com os da águia e as suas penas são em parte douradas e em parte cor de carmesim. São tantos os prodígios que dela nos contam que, embora para mim pouco dignos de fé, não deixarei de os referir. Para trasladar o cadáver de seu pai da Arábia até ao Templo do Sol, executa a seguinte manobra: forma antes de mais um ovo sólido de mirra, tão grande quanto a sua força para o levar, experimentando o seu peso depois de estar formado o ovo para saber se o aguenta; em seguida, começa a esvaziá-lo para abrir um espaço onde possa enfiar o cadáver do pai, que ajusta com uma outra porçaõ de mirra e fecha com ela a concavidade até que o peso do ovo cheio com o cadáver iguale o que tinha quando estava sólido; fecha depois a abertura, carrega o ovo e leva-o para o Templo do Sol no Egipto. Eis aqui,seja como for, o que dizem daquele pássaro."
Uns quinhentos anos depois, Tácito e Plínio retomaram a prodigiosa história; o primeiro observou correctamente que toda a antiguidade é obscura, mas que uma tradição fixou o prazo de vida da Fénix em mil quatrocentos e sessenta e um anos (Anais, VI, 28). O segundo também investigou a cronologia da Fénix; registou (X, 2) que, de acordo com Manílio, aquela vive um ano platónico, ou ano magno. Um ano platónico é o tempo que exigem o Sol, a Lua e os cinco planetas para voltarem à sua posição inicial; por sua vez, Tácito no Diálogo dos Oradores, fá-la abarcar doze mil novecentos e noventa e quatro anos comuns. Os antigos acreditaram que, cumprido esse enorme ciclo astronómico, a história universal se repetiria em todos os seus pormenores por se repetirem os influxos dos planetas; a Fénix viria a ser um espelho ou uma imagem do universo. Para maior analogia, os estóicos ensinaram que o universo morre no fogo e renasce do fogo e que o processo não terá fim como não teve princípio.



Os anos simplificaram o mecanismo da gestação da Fénix. Heródoto menciona um ovo e Plínio um gusano, mas Claudiano, em finais do século IV, já evocava um pássaro imortal que renasce das cinzas, um herdeiro de si mesmo e uma testemunha das idades.

Poucos mitos serão tão difundidos como o da Fénix. Aos autores já referidos convém ainda acrescentar: Ovídio (Metamorfoses, XV), Dante (O Inferno, XXIV), Shakespeare (Henrique VIII, V, 4), Pellicer (El Fénix y su historia natural), Quevedo (Parnaso español, VI), Milton (Samson Agonistes, in fine). Mencionaremos ainda o poema latino De Ave Phoenice, atribuído a Lactâncio, e uma imitação anglo-saxónica do século VIII desse mesmo poema. Tertuliano, Santo Ambrósio e Cirilo de Jerusalém indicaram a Fénix como prova da ressurreição do corpo. Plínio zomba dos terapeutas que prescrevem remédios extraídos do ninho e das cinzas da Fénix.

in O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luís Borges

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Viagem à Lua

Le Voyage dans la Lune é um filme mudo francês, de 1902 , escrito e realizado por Georges Méliès. É considerado o primeiro filme de ficção científica, com notáveis efeitos especiais.


Le Voyage dans la Lune, de Georges Méliès, 1902

Lenda de Figueiredo das Donas

Figueiredo das Donas é uma pequena freguesia situada na região de S. Pedro do Sul. Ao seu nome anda ligada uma lenda muito antiga, anterior mesmo ao nascimento de Portugal, e uma obra poética das mais antigas da nossa literatura, a Canção do Figueiral, que se atribui a Goesto Ansures, o herói desta história.

Na época em que se passa esta história, havia na península inúmeros pequenos reinos, uns cristãos, outros mouros, que se guerreavam entre si. Mauregato, filho de D. Afonso, "o Católico", e de uma escrava moura, decidiu usurpar o trono a seu sobrinho Afonso, filho do rei D. Fruela. Com esse fim, aliou-se ao califa de Córdova, Abd-el-Raman, célebre pela ferocidade e valentia com que atacava os cristãos. E o califa aproveitou a ambição de Mauregato, impondo várias condições, das quais a mais humilhante e cruel foi o tributo de cem donzelas que o cristão lhe deveria fornecer, anualmente, com destino aos haréns muçulmanos.

Entretanto, Mauregato havia renunciado à religião de seu pai e tornara-se maometano, como o seu novo senhor. Depois de vender o filho de D. Fruela, em 783, Mauregato viu-se aclamado pela força das armas, mas ficou sendo conhecido como o homem mais desprezível e indigno do seu tempo.

Chamavam "caçadores" aos miseráveis que, disfarçados, estavam incumbidos de escolher e escoltar as donzelas - cinquenta nobres e cinquenta plebeias - destinadas ao tributo anual de Mauregato. Ora, os "caçadores" tinham já arrebatado de casa de seus pais cinco raparigas, quando chegaram ao castelo de D. Ramiro.

D. Ramiro tivera três filhos e deles só lhe restava D. Mécia, visto os moços lhe terem morrido na guerra. Mas D. Ramiro estava velho, e, apesar de representante altivo e orgulhoso de uma velha estirpe, não pôde, nem conseguiu, opor-se àquela infâmia. E lá viu partir a filha, entre os "caçadores", a caminho do harém do califa cordovês, sentindo crecer dentro de si o ódio pela sua própria impotência.

Num dia quente de Julho, ao passar perto de Viseu, a escolta parou num sítio a três léguas de distância. Era a hora do meio-dia e o calor tornava a caminhada insuportável. Os mouros fizeram uma paragem para seu repouso e dos animais. Na verdade, também não queriam arriscar a vida das raparigas, pois tinham de entregá-las no melhor estado de saúde, ou as suas cabeças não pesariam grande coisa na consciência de Mauregato. Havia por ali um casebre, nele enfiaram as seis donzelas, enquanto eles mesmos se deitaram a descansar, cá fora, à sombraa de um figueiral.

Dentro da cabana, as pobres raparigas choravam e lamentavam a sua sorte, lançando pragas contra Mauregato e os "caçadores". Os homens, debaixo das figueiras, riam alto dos lamentos das infelizes e, de vez em quando, faziam-lhes um relato do que as esperava, o que contribuía para aumentar lágrimas e lamentos. Pouco a pouco, os mouros, pela força do calor e do cansaço, deixaram-se adormecer à sombra das figueiras.

De repente, começou a ouvir-se ao longe um tropear surdo de cavalos, vindos na direcção da cabana. Era o altivo cavaleiro Goesto Ansures, que, acompanhado por alguns pajens, procurava causas para combater e ganhar.

Ouviu o cavaleiro os gemidos e prantos das donzelas e aproximou-se do casebre para oferecer a sua ajuda. Oljou pela pequena janela e descobriu espantado a filha de D. Ramiro, D. Mécia, por quem estava enamorado. Não conseguiu Goesto Ansures reter as lágrimas nos seus olhos, enquanto o coração se lhe enchia de dor e desespero. Prometeu salvá-la, prometeu salvá-las a todas.

Correu então para os mouros, que acordaram, sobressaltados pela gritaria e surpreendidos pelo ímpeto do cavaleiro. Desafiou-os, dizendo:
- Levantai-vos, cobardes! Isto não é uma donzela fraca e desprotegida, isto é o braço de um cavaleiro lutando pela sua dona! Por Santiago e Dona Mécia!
- Por Alá! - bradaram os mouros, levantando-se à pressa.

Arremeteu com fúria Goesto Ansures, acompanhado pelos pajens. Já alguns "caçadores" estavam por terra, uns trespassados pela lança, outros derrubados pelas patas do seu cavalo. Desembainhando o montante, espadeirada à direita, espadeirada à esquerda, jorrou sangue infiel. Um elmo mourisco aparou um rude golpemem falso de Goesto Ansures e a lâmina da sua espada voou em pedaços. Sem saber o que fazer, o cavaleiro suspendeu momentaneamente a sua fúria. Olhando em volta num relance, viu um tronco de figueira no chão, a seu lado. Pegou-lhe e, com ele, matou os últimos mouros que sobreviviam.

Cansado, meio cego de sangue e de ódio, o cavaleiro contemplou o campo de batalha, enquanto uma lassidão se apoderava do seu corpo, agora em sossego. Tudo era silêncio na natureza. Nem a cigarra deixava ouvir o seu canto monótono de uma nota só, silenciada pelo tinir das espadas e pelos gritos dos homens.

Goesto Ansures retomou em breve o ânimo. Abriu a porta do casebre e ajoelhou ante D. Mécia, beijando-lhe as mãos agradecido pela oportunidade que tivera de lhe ser útil. A donzela levantou-o do chão e pediu que a levasse a casa de seu pai. Montou D. Mécia o ginete de guerra do cavaleiro, e Goesto Ansures, pegando nas rédeas da montada, conduziu-a ao castelo de D. Ramiro.

O velho cavaleiro, louco de alegria, concedeu a mão da filha ao valente libertador. Mas, antes do enlace, juntou-se o povo aos guerreiros e, depois de muito batalhar, derrotaram o muçulmano, abolindo assim o ignóbil tributo de donzelas.

Em memória deste feito, nasceu em volta do miserável casebre uma pequena povoação à qual chamaram Figueiredo das Donas, ali para os lados de Viseu. 


Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores
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