quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Lenda do "Vai-te com o diabo"

A Lenda do "Vai-te com o Diabo"  faz parte da tradição oral da ilha Graciosa, arquipélago dos Açores. Reza esta lenda que uma mulher de poucas posses que vivia na localidade do Guadalupe, ia casar uma filha dentro de poucos dias. Ultimavam-se os preparativos, cozinhava-se o pão, faziam-se os doces, assavam-se as carnes, preparavam-se as coisas para um casamento feito em casa à moda antiga, como era normal nesses tempos.

Com todos estes afazeres, a pobre mulher já tinha gasto mais dinheiro do que as suas parcas posses lhe permitiam. Tendo faltado um ingrediente importante para a boda, a filha foi junto da mãe pedir-lhe mais dinheiro para o ir comprar. Já farta de tantos gastos, meio aborrecida, meio furiosa, a mãe virou-se para a filha e vociferou : "Vai-te com o diabo, rapariga, que me levas tudo o que tenho!"

Era um desabafo e ninguém prestou atenção a estas palavras. No entanto e como a rapariga nunca mais voltava , começaram a achar estanho e puseram-se à procura dela.Mas não a encontraram nem nas imediações nem nos caminhos que ela deveria ter percorrido.

Os vizinhos da vila do Guadalupe foram alertados e imediatamente todos se puseram à procura dela por todos os lados da vila, de casa em casa, no porto, nos chafarizes, em casa do noivo que também participava na busca, nos moinhos, palheiros, em todos os locais possíveis.

Depois da vila, expandiram as buscas para as pastagens e para a serra onde, junto do lugar denominado Caldeirinha, encontraram aquilo que poderiam ser os primeiros vestígios. Com o objectivo de encontrarem a rapariga, desceram rapidamente a perigosa vereda. Na descida encontraram as galochas da rapariga em cima de uma rocha, fazendo com que todas as dúvidas se dissipassem.

Se ela não estava ali, pelo menos devia estar por perto. E se não estava em local visível, só podia estar dentro da Caldeirinha. Foram então à vila buscar cordas suficientemente fortes para aguentarem o peso de uma pessoa, e, atando-as à volta da cintura, o noivo desceu à procura da sua amada.

Estavam todos ansiosos pois muitos acreditavam que a caldeira poderia ser uma das entradas do Inferno. Cheio de medo, aos poucos, o noivo foi descendo pela abertura estreita da caldeira, um buraco negro e medonho. Foi lá no fundo que encontrou a rapariga, a tremer de medo e com um ar apático. Amarrou-a às cordas que levara consigo e os dois foram puxados pelas pessoas que lá em cima, ansiosos, os observavam.

Tinham-na encontrado, estava viva e saudável, e podiam assim retomar o casamento. Quando perguntaram à rapariga o que se tinha passado e como tinha ido ali parar, ela pura e simplesmente não sabia responder . Foi então que a mãe se recordou da blasfémia que tinha dito ao mandá-la para o diabo. O mesmo que, acreditam os povos, anda sempre à procura de almas para levar para o Inferno, e que logo a levou consigo, escondendo-a nos fundos da Caldeirinha.

algar vulcânico, Caldeirinha de Pêro Botelho, Ilha da Graciosa (foto de J. C. Nunes)

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