sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Lenda da Estranha Visita

Jerry Uelsmann

Embora não se passe em Portugal, esta lenda vive arreigada no espírito do nosso povo. A bem dizer, foi ele que a criou. De modo que tem o seu justo lugar entre as lendas de Portugal.

Lê-se no Novo Testamento, no Evangelho de N. S. Jesus Cristo, segundo São Mateus:
«Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. «Onde está o rei dos Judeus que acaba de nascer? — perguntavam. — Pois vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.» Ao ouvir tal notícia o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. E reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, pois assim está escrito pelo profeta: “E tu Belém, terra de Judá, de nenhum modo és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que apascentará o meu povo de Israel.”»
«Então, Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exactas sobre a data em que a estrela lhes havia aparecido. E enviando-os a Belém disse-lhes: “Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do Menino e, depois de O encontrardes, vinde comunicar-mo, para que também eu vá adorá-Lo.” Após as palavras do rei, puseram-se a caminho e a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela sentiram grande alegria e, entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se O adoraram e, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho a não voltarem para junto de Herodes, regressaram à sua terra a por outro caminho.»

A noite caíra, serena. Céu azul-escuro, coalhado de estrelas cintilantes. Noite fria, apesar de o vento estar ausente.
Dentro do pobre casebre onde o Deus Menino nascera, estavam apenas José e Maria junto do pequeno Jesus. Os reis magos haviam saído de lá quando ainda a luz do dia beijava a pobre cabana. Agora, porém, estavam sós. Sós e cansados. As visitas haviam sido muitas. Necessitavam dormir. O Menino fechara os olhitos. Sorria levemente, como em sonhos. Iam apagar a candeia quando, de súbito, mais alguém bateu à porta. José e Maria entreolharam-se, quase assustados. Quem poderia ser a horas tão altas? As batidas repetiram-se. José levantou-se da enxerga e perguntou:
— Quem bate?
Ninguém respondeu. Apenas o Menino choramingou, o que fez Maria debruçar-se sobre Ele, acariciando-O. Mas Ele parecia inquieto. José abriu a porta. Aproximou a candeia. Então ficou perplexo. Uma velha, muito velha, como que carcomida pelo tempo, olhava José com um olhar brilhante — como se tivesse apenas vinte anos.
José perguntou:
— Que quereis?
A velha não respondeu.
José tornou:
— Vindes de muito longe e quereis descansar?
De novo ficou sem resposta. Mas a estranha visita já não reparava em José. Olhava o Menino deitado nas palhinhas. Olhava-O numa expressão de amor e angústia, ao mesmo tempo.
José perguntou ainda.
— Quem sois?
A velha entrou devagar, de joelhos em terra, quase rastejando. Aproximou-se do Menino. Tinha lágrimas nos olhos e não O desfitava.
Maria, que a observava em silêncio, perguntou então, indicando Jesus:
— Vindes vê-Lo, também?
Parecia não os escutar, a estranha visita. José insistiu.
— Estais cansada. Descansai um pouco. Talvez queirais comer alguma coisa...
Só os olhos tinham vida, naquele rosto quase mumificado. E os olhos falavam silenciosamente com o Deus Menino, que lhe sorria, complacente.
Calaram-se, também, Maria e José. Havia algo de dramático naquela muda adoração. E o Menino não dormia. Parecia até compreender aquela voz interior. Às vezes, a estranha visita curvava mais a cabeça. E as lágrimas inundavam as suas mãos gastas pelo rodar dos anos. Quando isso acontecia, o Menino deixava de sorrir. E uma expressão triste toldava o Seu infantil semblante. Depois, a estranha visita olhava-O de novo, mais calma, e o Menino voltava a sorrir.
Assim foram decorrendo as horas, pela noite sem lua. E nem uma palavra voltou a ser pronunciada dentro da cabana onde Jesus havia nascido. Porém, quando a manhã chegou, quando os primeiros raios de Sol passaram através das frestas e da porta, agora entreaberta, a velha rompeu a soluçar, dolorosamente. As lágrimas já não caíam nas suas mãos trémulas, mas nos pezinhos do Menino.
Vendo-a nesse estado de desolação, Maria apiedou-se. Aproximou-se da velha. Tocou-lhe num ombro. Ela, porém, fugiu ao seu contacto, como se fosse doente e não a quisesse contagiar. José quis ajudar Maria e perguntou:
— Mulher, porque chorais assim? Dizei-nos porquê e talvez possamos ajudar-vos.
Como resposta, a estranha visita depositou algo aos pés do Menino, e saiu de costas, rosto quase em terra, rastejando...
José foi até à porta, mas no caminho a velha sumira-se, como se o vento — que não soprava — a tivesse levado. Então, José ouviu Maria chamar por ele:
— José! Anda ver o que a estranha visita deixou ao Menino!
José olhou. Os seus olhos piscaram, como se não acreditassem no que viam. E exclamou:
— Uma maçã!
Maria anuiu:
— Sim, uma maçã! E chorava, a pobre! Chorava arrependida!... Que pensas?
José volveu a olhar Maria:
— Penso que ela era...
Não terminou a frase. Maria concordou.
— Era ela, decerto! Veio também adorar o Menino… e pedir-Lhe perdão...
Olharam ambos o berço improvisado. O Menino sorria. Sorria como a dizer-lhes que tinham identificado a estranha visita.
O Sol brincou com os caracóis do Seu cabelo. Esperneou o Menino, contente desse contacto. Sorria, feliz.
A seu lado Maria e José olhavam essa maçã que o Sol agora doirava, sem se atreverem a tocar-lhe...

Assim se perpetuou, através dos tempos, a ideia de que a estranha visita teria sido a própria Mãe Eva, minada de remorsos — símbolo vivo das consciências atormentadas que depõem o peso e o fruto da sua culpa aos pés divinos de Jesus.


MARQUES, Gentil, Lendas de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume IV, pp. 345-347

sábado, 10 de dezembro de 2011

As 13 luas cheias do ano: a Lua Gelada


Também conhecida como Lua da Noite Longa, está intimamente ligada ao Solstício de Inverno, a noite mais longa de todo o ano. Por se tratar do renascimento do Rei Carvalho e a partida do Rei Azevinho, celebrados em Yule, esta Lua Cheia era também conhecida como Lua do Carvalho.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O porco que se transformou numa moça


"O meu sogro era um homem que madrugava muito. Teve 24 filhos, era carpinteiro e tratava de muitas terras para poder governar a casa. Ia então ele de madrugada, a passar ao pé da barragem do Peneireiro, onde tratava de uma terra, e, chegando junto ao ribeiro, viu uma manada de recos num lameiro, pequenos e grandes. E, claro, preparou-se logo pra deitar as mãos a um. Como tinha muitos filhos, bem jeito lhe dava agarrá-lo. Só que, ao tempo que o ia agarrar, apareceu-lhe uma gaija em lugar do reco e a dizer:
— Crí’ós![cria-os]
Queria ela dizer, nat’ralmente, que, se quisesse porcos pra comer, que os criasse. E neste entretanto, os outros transformaram-se também numas poucas de moças e desapareceram a dançar. E o pobre homem ficou lá sozinho. E desconsolado. Contou isto a vida toda."


PARAFITA, Alexandre, Património Imaterial do Douro (Narrações Orais), Vol. 2, Peso da Régua, Fundação Museu do Douro, 2010 , p.245

As 13 luas cheias do ano: a Lua do Porco


É neste mês do ano que se matam os porcos e se começa a aprovisionar o fumeiro como forma de assegurar subsistência no Inverno.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A eira onde as bruxas se vão esfregar

Albert Joseph Fenot

Sempre ouvi dizer aos mais antigos que na Eira do Monte, que pertence a Paradela mas fica entre dois caminhos, ali à saída de Sendim, é onde as bruxas se vão esfregar.
Uma ocasião, um homem disse assim p’ra outro, amigo dele:
— Olha que a tua mulher também é bruxa!
E ele:
— Ai não, não é! Da minha mulher não se consta isso!
Mas, pelo sim pelo não, a partir daí o homem pôs-se mais atento aos hábitos dela. E numa certa noite, ficou acordado, mas fazendo que dormia, e ouviu-a levantar-se da cama e dizer:

- Eu te benzo, belbezu,
Com as fraldas do meu cu.
Enquanto eu não vier,
Não acordes tu!

Ela então lá foi à vida dela, juntar-se com as outras e esfregar-se na tal laje. Quando veio, o homem estava à espera e viu que trazia o rabo todo queimado de tanto se esfregar.
P’ró outro dia, ao encontrar o amigo, diz-lhe então:

—Agora sim, já estou fiado,
Que ela traz o cu todo queimado.


PARAFITA, Alexandre, Património Imaterial do Douro - Narrações Orais (contos, lendas, mitos) Vol. 1, Peso da Régua, Fundação Museu do Douro, 2007 , p.157


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano: A Lua da Caçada


Sendo o período do  auge das colheitas e uma vez que a luz do sol se mantinha até tarde, começavam as caçadas nos bosques. No último dia celebra-se o Samhain, o início do ano pagão, anunciando a Caçada Selvagem do Senhor do Inverno.

domingo, 11 de setembro de 2011

Morte

Evelyn P. Morgan, Cup of Death

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce lago
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má morte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
má fada me encantou e aqui fiquei
à tua espera... quebra-me o encanto!

Florbela Espanca

sábado, 10 de setembro de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano: A Lua da Colheita


Em mês de debulhar o milho e de início de vindimas este é o nome mais apropriado à Lua Cheia de Setembro. Celebra-se Mabon e tudo o que a terra nos deu de melhor: grão e uva, pão e vinho.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A bruxa e os dois ladrões


Dois ladrões lembraram-se, certa noite, de assaltar a casa de uma mulher que vivia sozinha e que, ao que lhes constava, era pessoa de grandes teres.
Julgando-a a dormir, os ladrões subiram sorrateiramente a um janelo e entraram na casa, onde vasculharam tudo o que puderam à procura de coisa que valesse a pena roubar. A dada altura, porque o barulho que faziam já era muito e a dona da casa não dava qualquer sinal, os ladrões aperceberam-se de que, afinal, não se encontrava lá mais ninguém. Podiam, por isso, roubar à vontade.
- Onde teria ela ido a estas horas? — perguntaram um para o outro.
Nisto, um deles, ao remexer por baixo do escano, junto à chaminé, encontrou uma estranha taça, com um líquido meio amarelado, que tanto podia ser azeite como podia ser mel, ou coisa parecida. E logo desconfiaram que a mulher era uma bruxa, e que, àquela hora, teria ido embogar-se a qualquer lado. A explicação estava naquela taça que tinha o óleo com que ela se untava antes de partir.
Mas a curiosidade tentou-os. Os dois ladrões resolveram untar-se também para verem o efeito, e, mal acabaram de o fazer, voaram ambos pela chaminé, indo pousar ao cimo da torre da igreja, de onde não puderam descer. Na manhã seguinte, quando as pessoas saíam de casa para o trabalho, deram pela presença dos dois homens empoleirados no campanário e todas desataram em grandes gargalhadas.
- Tirem-nos daqui! Tirem-nos daqui! — gritavam eles.
- E como diabo é que vós fostes aí parar? — perguntavam as pessoas, ao mesmo tempo que procuravam uma escada comprida para os tirarem dali.
Eles, no entanto, não deram qualquer explicação. Se o fizessem teriam de confessar que haviam estado a roubar uma casa na aldeia. E, assim, nem eles acusaram a mulher como bruxa, nem esta os acusou a eles como ladrões.

Local: Vinhais, Bragança
PARAFITA, Alexandre, O Maravilhoso Popular - Lendas, contos, mitos, Lisboa, Plátano Editora, 2000

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

As Figuras de Cera

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

As Arcas de Montemor

Conta a lenda que no castelo de Montemor-o-Novo estão enterradas duas arcas: uma cheia de ouro, a outra cheia de peste. Há muito, muito tempo atrás, no tempo dos Mouros, era alcaide de Montemor um viúvo austero, habituado à dura vida fronteiriça, onde eram mais frequentes os tempos de luta do que os momentos de repouso e prazer. Este homem tinha uma única filha que estranhamente amava, pois preferia mantê-la oculta de toda a gente, a ponto de nem aias nem amigas ter consigo.

A menina foi crescendo e o pai não se dava conta - ou talvez, quem sabe, preferisse não saber. Certo dia, um dos seus mail leais cavaleiros olhou-a tão moça e tão linda que se apaixonou. Mas como visse que o alcaide continuava a guardá-la menina, o jovem foi e disse-lhe:
- Senhor, vossa filha é já mulher! Breve virá alguém a levá-la!
- O quê?! Estás louco? Como podeis dizer tal coisa de uma criança?
- Olhai bem, senhor, olhai e vede onde esteve a criança...
- Cala-te!! Ninguém a levará daqui, jamais! Não tornes a dizer-me tais coisas, a menos que queiras ver a tua cabeça rolar das muralhas do castelo!
- Mas, senhor... - insistiu o cavaleiro com mil argumentos vivos.
Insistiu tanto, tanto, que o alcaide se enfureceu e o trancou nas masmorras: no dia seguinte, veria a sua própria cabeça rolar muralhas abaixo.


Foi privada, esta conversa, mas, como por vezes as paredes dos castelos têm ouvidos, toda a gente veio a saber o que se passara. Também a filha do alcaide teve conhecimento da brava discussão, que, sem querer nem saber, motivara e, condoída, decidiu interceder junto do pai. Este, porém, não se dignou a ouvi-la, nem resposta lhe deu, deixando-a especada e espantada porque nunca assim o vira.

Foi só então que se decidiu a descer às masmorras. Falaria com o condenado sem que ninguém o soubesse, nem mesmo o pai. Lá onde o sol nunca fazia visitas, o cavaleiro esperava condenado e sem medo o dia seguinte, passando a sua última noite que era a véspera da grande noite sem retorno. Pensava nas sem-razões daquela conversa com o alcaide. Afinal, a moça nunca olhara para si, nem mesmo adivinhara o grande amor que há tanto o abrasava. E contudo sorria, sorria sem pena e sem medo, dentro da noite.

Tão longe de tudo estava que quando ouviu rodar a chave na fechadura da cela se levantou para acompanhar sem receio o algoz que esperava. Atónito, porém, vislumbrara no contraluz um vulto inesperado de mulher: era ela, aquela filha do alcaide, a dos olhos abrasados de mulher.

Por segundos nem um nem outro souberam o que dizer-se. Ela acabou por dizer-lhe coitado! Ele acabou por responder-lhe desta grã coita de amor! Porque naquela hora tudo lhes era permitido e inconsequente, por ser a noite da véspera da grande noite silenciosa. Ouviram-se ambos e descobriram-se silenciados há muito. Ganhou o cavaleiro aquela batalha que já desistira de lutar, e a moça, essa, leu no seu livro próprio o que nunca soubera encontrar.

E fugiram. Fugiram com tantos cuidados que só na hora dos algozes o vieram a saber. E então foi o pânico geral: como dizer-lhe a ele, a esse alcaide irredutível, as ousadias dos amantes?! Só mesmo o carrasco que sabia cortar cabeças teve a coragem de ir-se a ele e contar-lhe.

Empalideceu o alcaide e esvaziaram-se-lhe os olhos de espanto. Pouco a pouco a fúria começou a subir-lhe o rosto, apoderou-se primeiro dos lábios, que tremeram, incharam depois as narinas, nublaram-se os olhos de ódio, chorou silencioso e agora eternamente só o seu cérebro enlouquecido. Por fim, quando tudo aquilo lhe chegou à voz, bradou:
- Vivos, quero-os vivos! Vou divertir-me finalmente! Ah, ah, ah! Vamos todos aprender a brincar! Ah, ah! Vai depressa, carrasco, vai depressa e traz-me vivos esses meninos que querem brincar comigo!

Partiu o carrasco levando consigo gargalhadas insanas rodopiando-lhe aos ouvidos. Ia com medo e com pena, e com inveja também: era bom fugir como aqueles dois que haviam fugido das suas masmorras e algemas pesadas. Mas ele, ele, como poderia fugir à sua masmorra de adaga, às suas algemas construídas de mil cabeças odiadas pelo seu senhor?! Ah, que inveja lhes tinha, a eles que se queriam inocentes até acharem culpas só de si mesmos!


Achou-os porque era fácil achá-los. Trouxe-os pela mão à presença do senhor de Montemor, que entretanto gastara todo o ódio, todo o medo amealhara no convencimento da solidão irremissível. Por isso, talvez, o terem-lhe encontrado uns olhos vazios e mortos.
- Aqui estão eles, senhor.
- Não vejo! Onde?! Sombras, sombras horríveis... Não os vejo... Só estas sombras, e tenho medo!
- Pai, pai... perdoa-me! Perdoa-me pelo que eu nunca diria! Perdoa-lhe pelo que ele sabia e te disse!
- Senhor, aqui estamos... Casámos... Dá-nos a tua bênção, que queremos viver na paz e contigo!

De repente o velho começou baixo a falar, sozinho:
- Casados?! Nunca! Pensam que eu conheço o perdão, que estou um pouco velho, um pouco louco!
E acrescentou, num tom em crescendo: - Casados? E querem-se felizes? Ah, ah, ah, amaldiçoados, isso sim! Vós e todos os vossos até ao fim dos tempos! Mas... aqui tendes a minha prenda, gozai-vos  dela. Olhai bem, olhai e escolhei porque uma destas arcas está cheia de ouro e a outra... de peste! Escolhei, escolhei... ah, ah, ah!

Assustados, fugiram ambos quando o velho louco se chegou bem perto deles com o seu hálito de insânia. Nunca mais ninguém os viu e até hoje ainda ninguém ousou abrir as duas arcas nupciais enterradas no recinto do velho castelo, uma cheia de ouro, outra cheia de peste.


Fernanda Frazão, Lendas de Portugal

sábado, 13 de agosto de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano: A Lua Vermelha


No pico das colheitas, a Lua Cheia aparece no firmamento com tons avermelhados, reflectindo a luz do sol de Agosto. Relembra-nos o rito sacrificial do Deus Carvalho em Lughnasadh, quando se entrega às chamas para dar o trono ao Rei Azevinho.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Do not stand at my grave and weep

Fated not to die, de Grannie Annie

Do not stand at my grave and weep,
I am not there, I do not sleep.
I am in a thousand winds that blow,
I am the softly falling snow.
I am the gentle showers of rain,
I am the fields of ripening grain.
I am in the morning hush,
I am in the graceful rush
Of beautiful birds in circling flight,
I am the starshine of the night.
I am in the flowers that bloom,
I am in a quiet room.
I am in the birds that sing,
I am in each lovely thing.
Do not stand at my grave and cry,
I am not there - I did not die.


Mary Elizabeth Frye

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Coruja


VIBRAÇÃO: alma
PALAVRAS-CHAVE: sabedoria, verdade, rumos de vida
PONTO ALTO: observe, espere e seja sábio
PONTO BAIXO: respeite os seus medos

A Coruja é a águia nocturna. Dotada de visão, ela atravessa os véus da escuridão e da ilusão, rumo à sabedoria que se encontra nas profundezas da alma. A Coruja é o pássaro da alma e, conforme a lenda, a sua aparição significa que a morte está próxima. Essa morte tanto pode ser simbólica como real. A Coruja aparece sempre quando a alma precisa de um rumo na vida (ou através do vale da morte). Com ela vem a verdade conhecida por aqueles que vêem a vida como ela é e aceitam o facto de que vida significa morte, assim como morte significa vida nova. 

A Coruja carrega consigo a magia do vôo silencioso e pode ser um lembrete para ouvir em vez de falar e para viver a vida mostrando gratidão pelas dádivas que o silêncio e a observação atenta podem oferecer.
Ela conduz a alma através da noite, através dos medos e traz uma visão mais clara e uma melhor compreensão do propósito da alma. 

EXERCÍCIO DE MAGIA: Visualização da jornada para a sabedoria

Está a entrar num bosque muito antigo, ao escurecer. Caminhe entre os sons e cheiros da floresta, pelas folhas e flores, animais e árvores, até chegar a uma clareira onde há um velho carvalho iluminado pelos últimos raios de sol e pela lua que se ergue no céu. Senta-se sob a árvore e uma coruja pousa num dos galhos acima da sua cabeça. Cumprimentam-se e você faz uma pergunta. A coruja partilha a sua sabedoria. Algo se solta das garras do pássaro e cai no seu colo: olhe e veja o que é. Agradeça e volte para a entrada do bosque, pelo mesmo caminho por onde veio. Reserve algum tempo para integrar a experiência desta jornada antes de voltar às actividades quotidianas.


Sally Morningstar, O Livro Wicca

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Mago


VIBRAÇÃO: espírito
PALAVRAS-CHAVE: rectidão, egocentrismo, vaidade
PONTO ALTO: atitudes tomadas agora trarão resultados excelentes
PONTO BAIXO: quanto mais ego, menos espírito; vença a presunção

O Mago possui poderes espirituais e mágicos e é capaz de influenciar a energia por meio de encantamentos, conhecimento do oculto ou bruxaria. O Mago não é a versão masculina da bruxa, que pode ser tanto um homem como uma mulher. O Mago, porém, é sempre do sexo masculino. Ele revela-nos o potencial para sermos carismáticos e influentes num dado momento - no entanto também transmite um sinal de alerta. Estamos a ser usados ou a usar alguém?

Quando temos alguma autoridade, poder ou influência, devemos certificar-nos que os nossos poderes são usados para o bem maior e não em prol dos nossos próprios interesses ou para nos dar prestígio. A integridade é fundamental para preservarmos os dotes espirituais ou mágicos. As circunstâncias de um momento podem ser um teste para confirmar a sabedoria espiritual que merecemos ter.

Meditemos sobre a pureza do nosso coração e procuremos identificar as áreas da nossa vida em que demonstramos presunção, arrogância ou dogmatismo. Depois peçamos sabedoria para nos libertarmos dessas atitudes.

Sally Morningstar, O Livro Wicca

terça-feira, 26 de julho de 2011

La princesse insensible

de Michel Ocelot, 1983.













quarta-feira, 13 de julho de 2011

As 13 luas cheias do ano: a Lua do Trovão


Julho traz calor e trovoada, aguaceiros e calor. Esta Lua Cheia é também apelidada de Lua de Sangue ou de Lua do Corço, devido aos ritos sacrificiais que aconteciam nesta fase do ano.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O Senhor da Ribeira de Frielas


A ribeira de Sacavém, ao passar por Frielas, toma o nome desta povoação, hoje praticamente dentro da Grande Lisboa. Contudo, na época em que se passa esta lenda, Frielas era um arredor saloio da capital, no meio de hortas e descampados aqui e ali salpicados de pequenas povoações de impecável brancura.

Conta a tradição que uma tardezinha, era lusco-fusco, quase noite, vinha um homem a descer pelo caminho que ia do Casal do Monte até à igreja da Póvoa de Santo Adrião quando, ao chegar à encruzilhada, viu um cabritinho aos saltos na ribanceira. O homem parou e disse para consigo:- Olha que cabritinho tão bonito! Mas como é que o animal anda aqui sozinho a estas horas?

Foi-se chegando, devagarinho para não o assustar, e quando o teve ao alcance da mão começou a acariciá-lo; e o cabritinho a deixar, com ar manso e satisfeito. O homem decidiu então levar o animal para casa e meteu-o debaixo do braço, continuando o seu caminho.

Poucos passos adiante, já não podia com o braço, cansado com o peso do bicho. Passou-o para o outro lado e, daí a nada, a mesma coisa. Com um suspiro de desânimo, arriou o cabrito, enquanto dizia:
- O raio do cabrito sempre pesa que parece que tem chumbo! Nada, o melhor é levá-lo às costas...

Pô-lo às costas e retomou fôlego e caminho. Mas o animal cada vez pesava mais! No sítio a que se chamava Alto do Pinheiro Torto por causa de um pinheiro que lá havia e não era como os outros porque o tronco, a meia altura, quebrava para baixo e depois tornava a subir, fazendo um feitio como que de sela, nesse sítio, o homem já não se podia mexer, tal era o peso do animal. Subitamente, atravessou-lhe a mente o pensamento de que ali havia «história» - humm, um animal tão pequeno! - e atirou com o cabrito para o meio do chão:

- Vai-te embora, diabo, que és coisa ruim!. ..
O bicho abalou logo a fugir e então é que o homem viu que era, na realidade, o Diabo - que até fazia faíscas no chão!
- Ora até que enfim que achaste alguém que andasse contigo às costas, mofino! - gritou-lhe de longe o homenzinho, com um certo tom de alívio, apesar de no fundo se sentir um nadinha defraudado.

Segundo a lenda, o Diabo aparecia todas as tardes na encruzilhada dos quatro caminhos e foi para obstar às suas marotices que alguém mandou construir o nicho com o Senhor, a quem chamaram da Ribeira. Desde então o Diabo não voltou mais a aparecer na ribeira de Frielas.

Este nicho foi parcialmente destruído quando da implantação da República. Há alguns anos atrás, ainda se viam ao pé dele os restos da cruz cimeira de calcário e conservava a gradezinha de ferro a fazer de porta. Dentro estava a imagem do Senhor, alumiada com uma lâmpada, e as esmolas eram deitadas através da grade para uma covinha no fundo.


Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Vampiro


Os vampiros, assim como os zombies, fazem parte do folclore e das mitologias antigas, desde os Akhkharu da Suméria e de Lilu, da demonologia da antiga Babilónia. Um dos Akhkharu, Lilitu, apareceu mais tarde na mitologia judaica como Lilith. O jiang shi chinês, o deus egípcio Sekhmet e a Lamia grega também apresentam comportamentos vampíricos.

Lilitu

A maior parte do corpus narrativo relativo aos vampiros provém do folclore da Europa de Leste (especificamente o Eslavo). Nestas histórias, os vampiros são normalmente os corpos reanimados de suicidas, criminosos, feiticeiros maléficos ou ainda vítimas de mortes violentas. Acreditava-se que matavam as suas vítimas sugando-lhes o sangue, ou estrangulando-as ou ainda sentando-se em cima delas e sufocando-as.

Crenças

Causas ou sinais de vampirismo:

- nascer com a cabeça coberta com a membrana do saco amniótico
- nascer com cauda
- quando se foi concebido em determinados dias
- morte não natural
- excomungação
- rituais fúnebres inadequados
- ter cabelo ruivo
- morte de gado numa dada área
- um corpo exumado que tenha cabelo e/ou unhas a crescer, ou sangue na boca e uma tez rosada
- um terceiro mamilo
- nascer prematuramente
- ser o sétimo filho, se todos os outros são do mesmo sexo
- nascer ilegítimo
- ser o bebé de uma mulher que evitou comer sal enquanto grávida
- um estado de decomposição anormal três anos após a morte
- morrer sozinho
- um gato que salta sobre uma sepultura
- comer carne de uma ovelha morta por um lobo
- ser amaldiçoado

Maneiras de matar ou evitar um vampiro:

- colocar um crucifixo no caixão
- colocar blocos debaixo do queixo do cadáver
- pregar as roupas do cadáver às paredes do caixão
- colocar serradura no caixão ou outros pequenos objectos no caixão (contá-los seria uma distração para o vampiro até à madrugada!)
- trespassar o cadáver com estacas ou espinhos
- enterrá-lo com foices acima do pescoço (auto-decapitação)
- queimá-lo
- enterrá-lo de cabeça para baixo
- aspergir água benta sobre o cadáver
- exorcismo
- cortar os tendões do cadáver pelos joelhos
- pintar cruzes nas portas com alcatrão
- colocar lâminas debaixo das almofadas
- esfregar tudo e todos com alho


Dracula, de Tod Browning, 1931 - protagonizado por Bela Lugosi

domingo, 3 de julho de 2011

As Bruxas de Macbeth


Macbeth, de Roman Polanski, 1971

sábado, 25 de junho de 2011

À procura das mouras encantadas...


As moiras ou mouras encantadas são espíritos, seres fantásticos com poderes sobrenaturais do folclore popular português. São seres obrigados por oculta força sobrenatural a viverem em certo estado de sítio como que entorpecidos ou adormecidos, enquanto determinada circunstância lhes não quebrar o encanto. 

Segundo antigos relatos populares, são as almas de donzelas que foram deixadas a guardar os tesouros que os mouros encantados esconderam antes de partirem para a mourama. As lendas descrevem as mouras encantadas como jovens donzelas de grande beleza ou encantadoras princesas e perigosamente sedutoras. Aparecem frequentemente cantando e penteando os seus longos cabelos, louros como o ouro ou negros como a noite, com um pente de ouro, e prometem tesouros a quem as libertar do encanto.


Podem assumir diversas formas e existe um grande número de lendas, e versões da mesma lenda, como resultado de séculos de tradição oral. Surgem como guardiãs dos locais de passagem para o interior da terra, os locais "limite", onde se acreditava que o sobrenatural podia manifestar-se. Aparecem junto de nascentes, fontes, pontes, rios, poços, cavernas, antigas construções, velhos castelos ou tesouros escondidos.

Julga-se que a lenda das mouras terá a sua origem em tempos pré-romanos. As mouras encantadas apresentam várias características presentes na Banshee das lendas irlandesas. Também na mitologia basca, os Mairu (mouros) são os gigantes que construíram dólmens e os cromeleques e na Sardenha podemos encontrar os domus das Janas (casas das fadas). Na Península Ibérica, as lendas de mouras encantadas encontram-se também na mitologia galega e asturiana. Na tradição oral portuguesa, as Janas são uma outra variante de donzelas encantadas.


Especula-se que o termo moura (moira) possa derivar da palavra grega "moira" (μοίρα), que literalmente significa "destino", e das Moiras, divindades originárias da mitologia grega. Outra corrente indica que a origem poderá vir das palavras celtas "mori", que significa mar, ou "mori-morwen", que designa sereia, provavelmente relacionando as mouras com as ondinas ou as ninfas, os espíritos sub-humanos que habitavam nos rios e nos cursos de água.

As variantes da lenda

A Princesa Moura é uma muçulmana encantada que habita um castelo e se apaixona por um cavaleiro cristão do tempo da Reconquista. A Lenda da Moura Salúquia é uma outra variante: em vez de um cristão, o amor da Princesa Moura é um mouro. Muitas destas lendas tentam explicar a origem de uma cidade e evocam personagens históricas, outras lendas apresentam um carácter religioso como acontece na lenda de Oureana.


No contexto histórico, os lugares, as pessoas e acontecimentos situam-se num mundo real, e existe uma localização temporal bem definida. No entanto, é possível que factos reais se tenham simplesmente fundido com antigas narrativas lendárias.

A Moura-fiandeira transporta pedras sobre a cabeça e fia com uma roca à cintura. A tradição popular atribui a estas mouras a construção de castros, citânias, e outros monumentos megalíticos. As moedas antigas encontradas nas citânias e castros eram chamadas de "medalha das mouras". A Pedra Formosa encontrada na Citânia de Briteiros terá sido, segundo narrativas populares, levada à cabeça para este local por uma moura que fiava uma roca.


Quem se sentasse numa Pedra-Moura ficaria encantado, ou se alguma pedra encantada fosse levada para casa, os animais poderiam morrer. As "Pedras-moura" guardavam riquezas encantadas. Existem várias lendas em que a moura, em vez de ser uma pedra, vive dentro de uma pedra. Na tradição popular diz-se que no penedo «entra-se para dentro» e «sai-se de dentro», dizer possivelmente relacionado com as lendas das mouras. A moura é também descrita a viajar para a mourama, sentada numa pedra que pode flutuar no ar ou na água. Dentro de grutas e debaixo das pedras, muitas lendas falam que existem palácios com tesouros.

A Moura-serpente é uma moura encantada que pode tomar a forma de uma serpente. Algumas destas mouras serpentes, ou mouras-cobra, podem ter asas e podem aparecer como meio mulher meio animal, como na lenda da serpente de Noudar ou do Monte d'Assaia. A Moura-Mãe toma a forma de uma jovem encantada que está grávida, e a narrativa centra-se na busca de uma parteira que ajude no nascimento e na recompensa que lhe é dada. A Moura-Velha é uma mulher idosa; as lendas em que aparecem mouras com figura de velha não são frequentes no nosso país.

Elementos habituais da lenda

O ouro das Mouras pode aparecer em variadas formas: figos, pedras, carvões, saias, meadas, animais e instrumentos de trabalho. Existem diferentes meios de se obter o ouro: pode ser oferecido pela moura como recompensa, roubado, ou achado. Frequentemente está dentro de um vaso, escondido dentro de panelas enterradas ou outros recipientes. Habitualmente, é no dia de São João que se acredita que as mouras aparecem com os seus tesouros, quando se pode quebrar o seu encantamento.


Algumas lendas têm este dia em que a moura encantada espalha os figos num penedo, ao luar. Noutras variantes, a moura espalha os figos ou a meada de ouro ao sol em cima do penedo. Estas lendas estão possivelmente relacionadas com a tradição popular de, nalgumas regiões, apanhar-se o figo lampo no dia de São João, um figo branco que se levava de presente. Este dia marca a data do solstício de Verão, sendo a sua referência talvez a reminiscência de algum culto solar pagão.

Uma fonte é um dos locais que as mouras aparecem frequentemente, muitas vezes como serpentes. Muitas vezes eram atribuídas virtudes mágicas às suas águas, como na Fonte da Moura Encantada. Também é do costume popular dizer de quem casou em terra alheia, "bebeu da fonte" e ficou enamorado, numa alusão às lendas em que os jovens se apaixonam e ficam encantados pelas mouras.


O encantamento da moura pode ser causado pelo pai ou algum outro mouro (ou génio) que a deixou a guardar os tesouros, geralmente uma figura masculina. São geralmente os mouros que têm o poder de encantar as mouras. Nas lendas, a moura pode aparecer sozinha, acompanhada de outras mouras encantadas, ou de um mouro, podendo este ser um pai, a pessoa amada, ou um irmão.

Para se realizar o desencantamento da moura, pode ser solicitado segredo, um beijo, um bolo ou pão sem sal, leite, o pronunciamento de algumas palavras, ou a realização de alguma tarefa, como não olhar para algo velado e aguentar a curiosidade. Falhar é não desencantar a Moura e "dobrar o encanto", não obter o tesouro desejado ou perder a moura amada.


Nas lendas em que é solicitado o pão, levanta-se a hipótese de estarem relacionadas com a antiga tradição de se oferecer alimento aos defuntos. Do mesmo modo, o leite pode estar relacionado com as oferendas que se faziam às águas das fontes e às cobras. A população mais antiga contava também que as cobras gostavam muito de leite. Uma das lendas das mouras de Formigais faz referencia à preferência das mouras por leite. Quando desencantada, a moura pode tornar-se humana e casar com o seu salvador ou desaparecer.

A mourama é um local mágico onde moram os mouros encantados. Nas lendas com um contexto histórico, é o local onde os mouros muçulmanos vivem. O tempo da mouraria representa um tempo incerto no passado, a mesma referencia intemporal do "Era uma vez" ou o "Há muito muito tempo", com que começam os contos de fadas. As mouras eram associadas a vários fenómenos naturais ou elementos da natureza. Acreditava-se que o eco era a voz das mouras. Algumas lendas contam que há locais onde ainda é possível ouvir uma moura a chorar.


Os monumentos funerários são frequentemente associados às mouras. Em algumas regiões, as antas são chamadas popularmente de mouras ou Casa da Moura, e antigamente acreditava-se que as mouras viviam nestas construções. A Pedra da Moura, a Antas de Pala da Moura, e a Anta da Arquinha da Moura são exemplo dos monumentos associados às lendas. 

Outro tipo de sepultura associada às mouras são as sepulturas cavadas na rocha, como é o caso de Cama da Moura, Cova da Moura e Masseira. Segundo a narrativa popular, a sepultura chamada Masseira era o lugar onde a "moura amassava o pão".

Fonte: Portugal Místico
Ilustrações retiradas de Lendas de Portugal, de Fernanda Frazão

(dedico este post à minha amiga arKana, que partilha comigo o fascínio pelas lendas das moiras encantadas!)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Uma lenda para a noite de S.João: A moura de Algoso


Algoso é uma pequena aldeia perdida nas serranias transmontanas. Diz uma lenda que ainda hoje por lá corre que, no tempo dos Mouros, existia nos arredores um bruxo famoso, conhecedor de mezinhas milagrosas e sabedor do passado e do futuro. Vivia num casebre um pouco afastado da povoação, mas nem a pobreza da sua casa, nem o afastamento da mesmo obstavam a que ali acorressem quantos acreditavam nas suas capacidades mágicas ou videntes.

Na verdade, ricos e pobres, de longe ou de perto, todos ali acudiam em busca de cura para os seus males, pedindo filtros de amor ou indagando sobre o que lhes reservaria o futuro. Em certos dias era uma autêntica romaria. E com tudo isto o bruxo criou fama e proveito de homem rico, apesar de continuar a viver no pobre casebre tentando fazer-se passar por miserável. 

Entretanto, os cristãos iam avançando na reconquista do território ainda sobre a dependência dos Mouros e estavam a aproximar-se rapidamente de Algoso. Sabendo disto o bruxo, que não podia prever o seu próprio futuro, calculou que a ocupação cristã não viesse a ser muito demorada e decidiu esconder os seus tesouros, disposto a recuperá-los mais tarde, quando pudesse recuperar o seu oficio.


Assim pensando, escolheu o que poderia carregar consigo, e o restante, as jóias e o ouro, meteu-o num cofre de marfim chapeado a cobre. Feito isto, e como precisava de encontrar um bom esconderijo para a sua fortuna, partiu com o cofre debaixo do braço em demanda do melhor local.

Depois de muito procurar, achou que o melhor sitio era debaixo da fonte de S. João, debaixo das raízes de um enorme e belo chorão que derramava a sua sombra as águas. Pegou numa enxadinha e cavou um buraco apropriado ao tamanho do cofre. Meteu-o lá dentro, tapou-o com terra e disfarçou a obra com folhagem e gravetos.

Terminado o trabalho, levantou-se e olhou em volta. Espantado, viu uma mourinha que, descuidada, descia uma vereda da serra cantando uma velha canção. Convencido que a moura o vira esconder o cofre e estava agora  disfarçando o caso, o bruxo encaminhou-se para ela, olhou-a com uma estranha fixidez, fez uns sinais misteriosos e, recitando certa oração antiga, lançou sobre a menina um encantamento, de tal modo que ela desapareceu no mesmo instante. 

Casquinhando, esfregou as mãos, pegou nos seus haveres e desandou rapidamente para a floresta, donde nunca mais voltou. A lenda da moura de Algoso foi passando de boca em ouvido, de geração em geração.
A fonte de S. João de resto, continuava ali, lembrando a todos a desdita da mourinha encantada pelo bruxo e desafiando a coragem de quem sonhasse desencantá-la. 

Uma noite, muito próxima da de S. João, uma rapaz de Algoso que se apaixonara pela história sonhou que via a moura na fonte. Mal acordou, decidiu que, desse lá por onde desse, havia de tentar ver na madrugada de S. João se a lenda era verdadeira. Além disso, como corria se alguém visse a moura nas suas horas felizes lhe podia fazer três pedidos, os quais seriam atendidos, o rapaz achou que, apesar do medo, era talvez vantajoso fazer aquela tentativa. 

Na véspera de S. João, encaminhou-se para a fonte ainda antes de anoitecer por completo. Procurou um local para se esconder, um local de onde visse sem ser visto, e preparou-se para esperar pela meia noite sem fazer ruído algum. O velho chorão da fonte, já centenário, continuava lançando sobre a água os seus ramos lacrimejantes. Do outro lado, havia agora um belíssimo roseiral, donde provinha um perfume intenso quando todas as rosas abriam. 

Chegou a meia noite. De repente o rapaz ouviu uma restolhada vinda das bandas do roseiral. Era uma enorme serpente que, rastejando, se dirigia para a fonte. Aí chegada, mergulhou três vezes. Qual não foi o espanto do moço quando viu aparecer sobre as águas uma menina: a moura da fonte e... mais bela do que tradição contava! 


A moura saltou com leveza da rocha para o solo e, sentando-se na borda da fonte, começou a cantar uma suave canção que o marulhar da água acompanhava, enquanto ela ia passando um pente pelos seus cabelos loiros. Subitamente, uma corça apareceu vinda da floresta e, sem mostrar qualquer receio, aproximou-se da moura, que a afagou com ternura. A corça, num gesto de agradecimento, lambeu-lhe as babuchas de damasco azul.

Era realmente um espectáculo de beleza que o rapaz jamais esperava encontrar, E, acocorado no seu canto, esqueceu os três pedidos que queria fazer, esqueceu tudo, esqueceu-se até de si mesmo, até que, bruscamente, a moura parou de se pentear, debruçou-se no tanque e desatou num pranto irreprimível. Chorava, talvez, a dor da sua solidão sem fim. 

Condoído, o rapaz fez um movimento para a consolar, esquecido do que não fosse aquela ânsia de ternura que dele se apoderara. Ao erguer-se, porém, fez estalar sob o corpo os ramos da sebe em que se escondera. A corça embrenhou-se rapidamente no mato e a moura desapareceu subitamente, evolando-se numa névoa sobre a águas da fonte de S. João de Algoso.


in Lendas Portuguesas de Fernanda Frazão

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Espada


VIBRAÇÃO: chackra da garganta
PALAVRAS-CHAVE: aspiração, verdade, esperanças e medos
PONTO ALTO: a Espada da verdade está na sua mão. Use-a com sabedoria
PONTO BAIXO: nem tudo estará perdido se abrir os olhos

Assim como o athame, a Espada é uma representação das forças masculinas. Ela representa a direção que toma a energia e tem a capacidade de "atravessar". No tarot, a Espada é uma representação do Ar - virada para cima, ela simboliza as esperanças; virada para baixo, simboliza os medos. Entre as espadas lendárias estão Excalibur, a espada do Rei Artur e a Espada de Dámocles.

A Espada indica a necessidade de levar a mente e as suas ideias para além dos domínios das esperanças e dos medos. Se deixarmos que a Espada rasgue os véus que dividem as percepções, descobriremos a verdade sobre o caminho que devemos tomar. Podemos traspassar a confusão com a Espada do silêncio, ou superar a frustração com a Espada da paciência, por exemplo.

Devemos prestar atenção ao que dizemos e evitar fofocas e intrigas. Sejamos honestos e atenhamo-nos à nossa própria verdade, mas respeitando também a verdade dos outros...

Sally Morningstar, O Livro Wicca

terça-feira, 14 de junho de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano: A Lua da Rosa

Designada por Lua dos Morangos, devido a ser a época em que se colhem estes desejados frutos, na Europa ela também é conhecida como a Lua da Rosa uma vez que as roseiras atingem o seu máximo esplendor em Junho. Com ela, celebra-se Litha, o Solstício de Verão.

Edward Burne-Jones, The Heart of the Rose, 1901

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A moira encantada

John William Waterhouse

Por manhã de San’João,
Que inda a aurora mal raiava,
E as ervas e as flores
Fino orvalho rociava,
Levantou-se o irmão mais velho
Do leito aonde velava:
Eram três todos pastores,
Cada um seu gado guardava.
Levantou-se o irmão mais velho,
Dos outros se recatava;
Foi direito à Fonte Santa,
Por ver que sorte deitava
Na manhã de San’João
Manhã de benta alvorada.

Banhando na fonte pura
Uma donzela se estava,
Seus cabelos de oiro fino
Com seu pente penteava.
Cada vez que corre o pente
Aljôfares desatava;
O seio tem descoberto,
Seio que de alvo cegava;
Cobre-lhe água o mais de corpo,
O mais que se imaginava.
Tem uma chave na mão,
Chave de oiro que brilhava.

- «Que buscais, pastor,
Que buscais nesta alvorada?»
- «Eu me vim à Fonte Santa
A ver que sorte deitava
Que a pobre vida que levo
A tenho amaldiçoada».

- «És diligente pastor,
E bom fado te fadava,
Que chegaste à Fonte Santa
Quando eu nela me banhava».
Passam dias, passam meses,
Um ano inteiro passava,
E ninguém na Fonte Santa
Não vê a Moira encantada,
Senão só nesta manhã,
Manhã de benta alvorada.

- «Sejas tu moira ou crosta,
Ou sejas demónio ou fada:
Tira-me da pobre vida
Que trago almadiçoada.»

- «Escolhe por tuas mãos
Escolhe o que mais te agrada,
Ou ser rico – ou se feliz,
Ter poder e nomeada».
- «A riqueza dá ventura,
Dá poder e nomeada:
Quero ser rico, donzela,
Que o mais depois o comprava».

Com sua chave de oiro fino
Na viva rocha tocava,
Abrira-se uma caverna,
O pastor por ela entrava.
‘Té às entradas da terra
A sua vista penetrava;
Quanta riqueza há no mundo,
Toda a riqueza ali estava.
De fina prata os rochedos,
A areia de oiro brilhava,
Os seixos puros diamantes
Que os olhos lhe cegava.
Tomou quanto pôde e quis,
Milhões e milhões tomava.
Nem mais não viu a donzela
Que na fonte se banhava,
Nem mais viu nada no mundo
Do que o oiro que levava.
Não tornou mais à cabana.
Dos irmãos não se lembrava,
Foi-se direito à cidade,
Terra e haveres comprava.

Já o sol vem arraiando
Um silvo a donzela dava,
Nas pedras da Fonte Santa
Uma cobra se enroscava.

John Strudwick

Ali dizem estar a moira,
Aquela moira encantada
Que só na manhã bendita
Se mostra pela alvorada:
Vê-la, foi vista por muitos,
Por ninguém desencantada.

Já o sol dá na choupana,
E os dois irmãos acordava,
Saíram com seus rebanhos
Que cada um deles guardava.
Passam horas, passam dias,
Viram que o outro irmão não tornava.
Dizia o irmão segundo
Ao mais novo, que chorava:
- «Fortuna achou nosso irmão
Que à choupana não voltava!».
Ele triste respondia:
- «Pobre de quem não voltava».

Passam meses, passa um ano,
Outra vez que alvorejava
A manhã de San’João
Que ervas e flores regava.
Levantou-se o irmão segundo
Apenas a alva alvejava.
Finge o mais novo que dorme
Mas não dormia, velava:
Contenta da sua sorte,
Mais sorte não cobiçava;
Por manhã de San’João.
Sua sorte não deitava.

Foi-se o outro à Fonte Santa,
A mesma donzela aí estava
Que o seu corpo delicado
Nas puras águas banhava
Mas os seus cabelos de oiro
Agora negros mostrava.
Uma coroa real
Sua cabeça coroava;
Ceptro que tinha na mão
De majestade cegava.
- «Bem-vindo sejas, pastor,
Bem-vindo nesta alvorada,
Que vieste à Fonte Santa
A ver a moira encantada:
A sorte de teu irmão
Em ti será melhorada:
Como ele podes ser rico,
Ou ter mando e nomeada,
Ou podes ser venturoso
Se a ventura mais te agrada».
- «Só uma sorte no mundo,
Uma sorte eu invejava,
Que é senhor e ter mando,
Tudo o mais por isso eu dava».

Sorriu de um triste sorriso
A donzela que o escutava:
Com o seu ceptro de oiro fino
Na viva rocha tocava,
Logo um soberbo castelo
Da rocha se alevantava
E um pendão de nobres armas
Nas ameias tremulava:
De escudeiros e vassalos
A torre se povoava,
Grande pompa de cortejo
À porta da torre estava.
- «Aí tens grandeza e mando,
Tudo o que mais cobiçava
O teu coração, pastor,
Que mais nada desejava».

Entrou na torre o pastor,
Entrou na torre fadada,
Não disse adeus à donzela,
Não se lembrou de mais nada.
Era grande, era senhor,
Aos seus vassalos mandava.
Nem voltou mais à choupana
Nem dos irmãos se lembrava.

Lá vinha o sol arraiando,
Um silvo a donzela dava,
Nas pedras da Fonte Santa
Uma cobra se enroscava:
Era a moira – a pobre moira
Cada vez mais encantada.

Já o sol dá na choupana,
O irmão móis moço espertava,
Leva o seu rebanho ao pasto
Que agora ele só guardava.
Passam dias, passam meses,
Viu que o irmão não voltava;
Triste, dizia consigo
- «Pobre do que não tornava!».

Passam meses, passa um ano,
Outra vez que alvorejava
A manhã de San’João
Que ervas e flores rociava.
Com saudades dos irmãos
O mais moço despertava:
- «Foi por tal manhã como esta
Que um e outro se ausentava.
Esta querida choupana
Que nosso pai fabricava,
Onde ao leite de seu peito
A nossa mãe (§) nos criava,
Nenhum mais cá tornava
Ambos seu fado os levava!
Que sorte seria aquela
Que o coração lhes mudava?
Vou-me eu à Fonte Santa
Vou também nesta alvorada».

John Strudwick

À fonte se foi direito
Inda a alva não alvejava,
Deu co’a formosa donzela
Que na fonte se banhava.
Tão bela como os mais anos
E ainda mais bela estava.
Nem de pedras preciosas,
Nem de pérolas se toucava,
Nem ceptro, nem chave de oiro
Na sua mão não brilhava;
Tinha uma c’roa de rosas
Alva, que de alva cegava;
As suas claras madeixas
Pelos ombros debruçava;
Com um sorriso de amor
Os alvos dentes mostrava;
No puro azul de seus olhos
Um céu aberto mostrava.

- «A que vens aqui, pastor,
A que vens nesta alvorada?
Que queres da Fonte Santa
Da sua moira encantada?».

- «Novas quero, buscar novas
De dois irmãos que eu amava,
Que há um ano e dois que se foram,
Que deles não sei mais nada.»

- «Um é rico, à sua porta
Se mede o oiro à rasada;
O outro tem poder e mando,
É senhor de capa e espada».

- «Dize-me tu, ó donzela,
Por esta benta alvorada,
E San’João te dê ventura,
Que sejas desencantada,
Dize-me se são felizes
Co’a sorte que lhes foi dada».

- «A sua sorte neste mundo
A ninguém não é deitada,
De escolher cada um por si
A liberdade lhe é dada:
Feliz o que bem escolhe,
Infeliz quem mal se fada!
Pastor, tu que és tão discreto,
A ti que sorte te agrada,
Ser rico, ou ser venturoso,
Ter poder e nomeada?».

- «Felizes são meus irmãos
Com a sorte que lhes foi dada?».
- «Um é rico, à sua porta
Se mede o oiro à rasada;
O outro tem poder e mando
É senhor de capa e espada».
- «Quer-lhe alguém bem neste mundo?».
- «Seu poder, sua riqueza
De todos é invejada».
- «Adeus formosa donzela,
Adeus moirinha encantada!
Que eu me vou ao meu rebanho,
Que já a manhã é nada».

- Pastor, toma esta capela
Que por ti foi bem ganha.
Do puro orvalho do céu
Nesta manhã foi banhada,
De frescas rosas tecida,
Por San’João abençoada.
Terás por ela a ventura,
A ventura bem fadada,
Que a moira da Fonte Santa
Há mil anos encantada
Tua será de alma e corpo,
Por ti foi desencantada».

Ventura todos a querem
Por todos é desejada:
Não a tem quem a procura,
A quem não a busca é dada.


Almeida Garrett

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Shekinah


VIBRAÇÃO: Céu na Terra
PALAVRAS-CHAVE: transcendência, fé
PONTO ALTO: Os sonhos podem se tornar realidade
PONTO BAIXO: Não estamos sozinhos

Shekinah é a morada sagrada da alma, o reflexo de Deus. O abraço da Mãe pode ser sentido tanto nos seus domínios celestiais como nos terrenos - Binah e Malkuth, respectivamente -, na Árvore da Vida cabalística. Muitas tradições místicas consideram a união do Senhor e da Senhora divinos um factor essencial para a transcendência e a bem-aventurança.

"Transcenda todas as limitações" é a sua mensagem. Tenhamos fé de que nos iremos encontrar a nós mesmos Rainha das Estrelas irradia a sua luz sobre nós e na nossa busca para descobrir qual é o propósito da , apreciando a nossa vida na Terra e seguindo os nossos sonhos.

Exercício de Magia:    Cristalomancia

Com o quarto na penumbra, coloque sobre uma toalha de veludo preto uma tigela de vidro cheia de água mineral. Mergulhe nela um pedaço de âmbar que tenha sido esfregado num tecido de seda ou algodão, para aumentar a estática da pedra. Fixe o olhar na água. Observe nuvens, movimentos, cores e impressões. Aprenda a confiar nessas impressões e a descobrir os seus significados.

O Livro Wicca, de Sally Morningstar

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O pássaro azul e a imperatriz da China

Um agradecimento muito especial à minha amiga Falcão de Jade por me ter despertado o interesse pelo Pássaro Azul!

Frank Cadogan Cowper, O Pássaro Azul

A imperatriz da China tinha tudo o que se pode imaginar: palácios de mármore e cobalto, com lagos de porcelana colorida, no meio de parques e jardins cheios de flores esquisitas e animais raros; tinha cofres a abarrotar de jóias de alto preço, e vestidos luxuosos e com a cauda tão comprida que a imperatriz já estava a sentar-se no trono da sala nobre do palácio onde vivia e ainda a cauda do vestido vinha à porta da rua, segura pelas mãos de muitos escravos, criados e aias, que eram às centenas para servir a imperatriz da China.

A imperatriz da China tinha móveis e espelhos, cavalos e carruagens, barcos de passeio e leques de plumas tão grandes, que uma vez abertos a tapavam toda; tinha relógios de complicados mecanismos, que tocavam as horas por música, e caixas de música com mecanismos mais complicados do que relógios.

Mas de tudo quanto possuía, o que a imperatriz da China mais adorava era um pássaro azul, cor do céu, com as asas esguias, do feitio de lanças, as penas da cauda recortadas e curvas, e o bico adunco, em forma de garra, e que tinha a particularidade de falar, o que não deve ser difícil na China, onde a conversa das pessoas é quase como o piar dos pássaros.

O pássaro azul da imperatriz da China vivia numa gaiola dourada, no meio da sala principal do palácio, e havia uma dúzia de criados para tratar dele. E a imperatriz passava a vida a con­versar com o pássaro azul.

— Trli-piu? — perguntava-lhe a imperatriz, o que em chinês quer dizer: "És feliz?"

E o pássaro azul respondia-lhe:

— Pió-pió-pió-piu! — que significa em chinês: "Estou triste, triste, triste!..."

E a imperatriz pensou que o pássaro azul talvez se sentisse apertado dentro da gaiola dourada, ele, que tinha nascido numa das grandes florestas dos confins da China, que também pertenciam à imperatriz. Então, ordenou que viessem à sua presença engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e mandou construir imediatamente uma gaiola tão grande que parecia uma estufa, com lagos artificiais, fontes e relvas, e sobretudo muitos troncos de árvore, para o pássaro azul poder voar à vontade de uns para os outros, como se estivesse num pequeno bosque.

Quando tudo estava pronto, mandou transportar o pássaro azul da gaiola dourada para aquela espécie de estufa, e entrou ela própria lá dentro para perguntar ao pássaro:

— Trli-piu?

Mas o pássaro azul pousou num ramo, deixou-se ficar uns momentos calado, e por fim respondeu:

— Pió-pió-pió-piu!...

E o último piu foi tão prolongado e triste que a imperatriz sentiu um peso no coração e uma grande vontade de chorar. Imediatamente, ordenou que viessem de novo à sua presença todos os engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e mandou construir uma enorme cúpula de vidro, armada sobre fortes varões de ferro, sobre o parque mais bonito que havia em redor do palácio, para soltar aí o pássaro azul.

Quando tudo estava pronto, a própria imperatriz da China pegou no pássaro azul com todas as cautelas, e soltou-o no parque envidraçado. Viu-o voar, voar, voar, cada vez mais alto, até à cúpula de vidro, por onde entrava o sol a jorros, e depois descer quase a pino e desaparecer entre a folhagem. Meteu-se pelas alamedas, arrastando a cauda, e chamou pelo pássaro azul com palavras meigas, que em chinês são ainda mais meigas, mas o pássaro azul não lhe respondeu. Até que o encontrou metido no buraco do tronco de uma árvore, e nem foi preciso perguntar-lhe nada, porque o passarinho repetia, num trinado que nunca mais acabava:

— Pió-pió-pió-piu! Pió-pió-pió, piiiu!...

Parecia que chorava. A imperatriz da China teve uma fúria e perguntou ao pássaro:

— Que queres afinal?

E o pássaro azul saiu do buraco do tronco da árvore, deu uma volta no ar, abriu as asas do feitio de lanças, sacudiu as penas da cauda recortadas e curvas, estendeu a cabeça para o alto, abrindo o bico em forma de garra, e trinou:

— Chrriu-chilriu-chilriu! — o que em chinês significa: "Quero a liberdade!"

A imperatriz da China ficou muito triste, mas depois de pensar um bocado mandou novamente chamar todos os seus engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e deu-lhes ordem para desfazerem o mais depressa possível a enorme cúpula de vidro, que cobria o parque.

E quando tudo estava acabado, a imperatriz da China voltou devagarinho para o palácio, e subiu até à janela mais alta da torre mais alta. Olhou para as copas das árvores do parque e viu o pássaro azul, de asas bem abertas, brilhando à luz do Sol como esmalte, as penas da cauda pendidas, o bico aberto apontando para o céu, voar, voar, voar sem descanso, cada vez mais alto, na direcção do infinito, tão azul como ele. E cantava alegremente, com toda a força dos seus pulmões, para a imperatriz da China ouvir:

— Trrriu-tchilriu-tiu-trliu-trliu-trliu! — o que em chinês quer dizer: "Sou feliz, feliz, feliz!"

E, enxugando uma lágrima de saudade ao lenço de rendas caras, a imperatriz da China sentiu-se feliz também.

Ricardo Alberty, O príncipe de ouro e outras histórias, Lisboa, Editorial Verbo, 1989

segunda-feira, 16 de maio de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano: A Lua da Florada

Anita Munman

Porque o Maio é o mês que se inicia com Beltaine e porque as flores atingem o seu máximo fulgor, cor e perfume nesta altura do ano, esta Lua Cheia é assim conhecida ou como Lua Cheia da Flor.

domingo, 15 de maio de 2011

Lucid


Joker's Daughter - "Lucid" (2009)

sábado, 7 de maio de 2011

Seres Lendários e Maravilhosos



"... os Faunos, os Acéfalos, com os olhos nos ombros e dois buracos no peito à maneira de nariz e de boca; os Andróginos, com uma única mama e os dois órgãos genitais; os Artabantes da Etiópia que caminham inclinados como ovelhas, os Astómacos cuja boca é apenas um furinho e que se alimenta com uma palhinha; os Ástomos, sem nenhuma boca, que se alimentam unicamente de cheiros;












os Bicéfalos; os Blémias sem cabeça e com os olhos e boca no peito; os Centauros, os Unicórnios, as Quimeras, animais triformes com cabeça de leão, a parte superior de dragão e a do meio de cabra;












os Ciclopes; os Cinocéfalos com cabeça de cão; mulheres com dentes de javali, cabelo até aos pés e cauda de vaca; os Grifos com corpo de águia à frente e de leão atrás; os Ponços com as pernas hirtas sem joelho, cascos de cavalo e o falo no peito; outros seres com o lábio inferior tão grande que quando dormem cobrem a cabeça com ele; a Leucrococa com corpo de burro, a traseira de cervo, o peito e as coxas de leão, patas de cavalo, um corno bifurcado, uma boca rasgada até às orelhas de onde sai uma voz quase humana e, em lugar de dentes, um único osso;


a Manticora, com três fiadas de dentes, corpo de leão, cauda de escorpião, olhos azuis, pele cor-de-sangue e silvo de serpente; os Panócios com orelhas tão grandes que chegam aos joelhos; os Fitos, com pescoço longuíssimo, pés muito compridos e braços semelhantes a serrotes; os Pigmeus sempre em luta com os grous, com três palmos de altura que, vivem no máximo, sete anos, se casam e têm filhos aos seis meses;


os Sátiros com o nariz adunco, com os cornos e a parte inferior de cabra; serpentes com uma crista na cabeça que caminham com pernas e têm sempre a garganta aberta donde esguicha veneno; ratos tão grandes como galgos, caçados por mastins, porque os gatos não conseguem apanhá-los; homens que caminham com as mãos e homens que caminham sobre os joelhos e têm oito dedos em cada pé; homens com dois olhos à frente e dois atrás; homens com testículos tão grandes que chegam aos joelhos; Esquiápodes com uma única perna com que deslizam a toda a velocidade e que erguem quando descansam, para estar à sombra do seu enormíssimo e unico pé."

História da Beleza, Umberto Eco, Difel
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