Frank Cadogan Cowper, O Pássaro Azul
A imperatriz da China tinha tudo o que se pode imaginar: palácios de mármore e cobalto, com lagos de porcelana colorida, no meio de parques e jardins cheios de flores esquisitas e animais raros; tinha cofres a abarrotar de jóias de alto preço, e vestidos luxuosos e com a cauda tão comprida que a imperatriz já estava a sentar-se no trono da sala nobre do palácio onde vivia e ainda a cauda do vestido vinha à porta da rua, segura pelas mãos de muitos escravos, criados e aias, que eram às centenas para servir a imperatriz da China.
A imperatriz da China tinha móveis e espelhos, cavalos e carruagens, barcos de passeio e leques de plumas tão grandes, que uma vez abertos a tapavam toda; tinha relógios de complicados mecanismos, que tocavam as horas por música, e caixas de música com mecanismos mais complicados do que relógios.
Mas de tudo quanto possuía, o que a imperatriz da China mais adorava era um pássaro azul, cor do céu, com as asas esguias, do feitio de lanças, as penas da cauda recortadas e curvas, e o bico adunco, em forma de garra, e que tinha a particularidade de falar, o que não deve ser difícil na China, onde a conversa das pessoas é quase como o piar dos pássaros.
O pássaro azul da imperatriz da China vivia numa gaiola dourada, no meio da sala principal do palácio, e havia uma dúzia de criados para tratar dele. E a imperatriz passava a vida a conversar com o pássaro azul.
— Trli-piu? — perguntava-lhe a imperatriz, o que em chinês quer dizer: "És feliz?"
E o pássaro azul respondia-lhe:
— Pió-pió-pió-piu! — que significa em chinês: "Estou triste, triste, triste!..."
E a imperatriz pensou que o pássaro azul talvez se sentisse apertado dentro da gaiola dourada, ele, que tinha nascido numa das grandes florestas dos confins da China, que também pertenciam à imperatriz. Então, ordenou que viessem à sua presença engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e mandou construir imediatamente uma gaiola tão grande que parecia uma estufa, com lagos artificiais, fontes e relvas, e sobretudo muitos troncos de árvore, para o pássaro azul poder voar à vontade de uns para os outros, como se estivesse num pequeno bosque.
Quando tudo estava pronto, mandou transportar o pássaro azul da gaiola dourada para aquela espécie de estufa, e entrou ela própria lá dentro para perguntar ao pássaro:
— Trli-piu?
Mas o pássaro azul pousou num ramo, deixou-se ficar uns momentos calado, e por fim respondeu:
— Pió-pió-pió-piu!...
E o último piu foi tão prolongado e triste que a imperatriz sentiu um peso no coração e uma grande vontade de chorar. Imediatamente, ordenou que viessem de novo à sua presença todos os engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e mandou construir uma enorme cúpula de vidro, armada sobre fortes varões de ferro, sobre o parque mais bonito que havia em redor do palácio, para soltar aí o pássaro azul.
Quando tudo estava pronto, a própria imperatriz da China pegou no pássaro azul com todas as cautelas, e soltou-o no parque envidraçado. Viu-o voar, voar, voar, cada vez mais alto, até à cúpula de vidro, por onde entrava o sol a jorros, e depois descer quase a pino e desaparecer entre a folhagem. Meteu-se pelas alamedas, arrastando a cauda, e chamou pelo pássaro azul com palavras meigas, que em chinês são ainda mais meigas, mas o pássaro azul não lhe respondeu. Até que o encontrou metido no buraco do tronco de uma árvore, e nem foi preciso perguntar-lhe nada, porque o passarinho repetia, num trinado que nunca mais acabava:
— Pió-pió-pió-piu! Pió-pió-pió, piiiu!...
Parecia que chorava. A imperatriz da China teve uma fúria e perguntou ao pássaro:
— Que queres afinal?
E o pássaro azul saiu do buraco do tronco da árvore, deu uma volta no ar, abriu as asas do feitio de lanças, sacudiu as penas da cauda recortadas e curvas, estendeu a cabeça para o alto, abrindo o bico em forma de garra, e trinou:
— Chrriu-chilriu-chilriu! — o que em chinês significa: "Quero a liberdade!"
A imperatriz da China ficou muito triste, mas depois de pensar um bocado mandou novamente chamar todos os seus engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e deu-lhes ordem para desfazerem o mais depressa possível a enorme cúpula de vidro, que cobria o parque.
E quando tudo estava acabado, a imperatriz da China voltou devagarinho para o palácio, e subiu até à janela mais alta da torre mais alta. Olhou para as copas das árvores do parque e viu o pássaro azul, de asas bem abertas, brilhando à luz do Sol como esmalte, as penas da cauda pendidas, o bico aberto apontando para o céu, voar, voar, voar sem descanso, cada vez mais alto, na direcção do infinito, tão azul como ele. E cantava alegremente, com toda a força dos seus pulmões, para a imperatriz da China ouvir:
— Trrriu-tchilriu-tiu-trliu-trliu-trliu! — o que em chinês quer dizer: "Sou feliz, feliz, feliz!"
E, enxugando uma lágrima de saudade ao lenço de rendas caras, a imperatriz da China sentiu-se feliz também.
Ricardo Alberty, O príncipe de ouro e outras histórias, Lisboa, Editorial Verbo, 1989