Há muito tempo atrás, a ponte romana de Trajano estava em vias de ruir. S. Gonçalo de Amarante, condoído pelas sucessivas catástrofes que a falta da ponte infligia nas populações, decidiu construir uma nova que servisse toda a gente. O local da edificação foi escolhido por um anjo, que em sonhos indicou a Gonçalo em que ponto de Amarante deveria ser erguida para que bem servisse no presente e no futuro.
Uma outra razão, poré, levara o Santo à realização da sua obra: competir com o Diabo, que andava a construir uma ponte idêntica na Aliviada.
A obra do Diabo estava perfeita e corria muito mais veloz do que a do Santo. Tendo consciência disto, o Diabo quis aborrecer S. Gonçalo obrigando-o a confrontar a sua ponte com a dele e convidou-o a visitar a obra da Aliviada.
Ao Santo agradou o convite, uma vez que andava cheio de curiosidade e, por cortesia, retribuiu-o. O Diabo aceitou imediatamente, e quando viu a obra de S. Gonçalo desatou a rir. O homem, humilhado com as risadas desatinadas do outro, decidiu vingar-se, e como tinha aceitado visitar a obra da Aliviada, não quis perder mais tempo.
E lá foram de caminho, o Diabo conversando alegremente, o Santo intimamente preocupado com o que o esperava. Estava Gonçalo a pensar em como tiraria a sua desforra, quando o outro lhe apresentou a solução ao pedir-lhe que não benzesse a ponte. O Santo esteve a ponto de dar um salto de contentamento ante o que o Diabo lhe pedia. Com esforço, dominou a sua alegria e prometeu não dar a benção à nova obra.
Realmente, frente à ponte da Aliviada, o Santo sentiu-se envergonhado: a sua obra comparada com aquela era mesquinha. Assim, ainda mais determinado, começou a pôr em prática a sua vingança. Primeiro, elogiou muito a obra, depois passeou-se sobre a ponte, de um lado para o outro. E dando os parabéns ao Diabo peça bela obra que realizara, despediu-se dele levantando o seu cajado a modo de saudação, desenhando disfarçadamente uma cruz no ar, enquanto dizia:
- Se tu fosses por aqui, como vais por ali...
A ponte começou imediatamente a tremer até que ruiu com um estrondoso fragor. O Diabo, esse, correu dali para o alto de um monte, desatando a apredejar o Santo e a vociferar palavras só dele conhecidas.
Superstições
Diz a tradição que nesta ponte o Diabo frita sardinhas cujo chiadouro é ouvido por quem passa. A pessoa que cair à agua debaixo da ponte, nunca mais aparece. Nesse mesmo sítio, pela meia-noite em ponto, vagueia o seu fantasma embrulhado num lençol.
Quando um pai diz a um filho "diabos te levem" à hora a que o padre diz na missa "Amém", o Diabo leva a criança para a ponte da Aliviada. Depois é preciso lá ir o padrinho, a madrinha e um padre. O Diabo pergunta dentre os penedos:
- Como queres a criança? Como veio ou como está?
Se lhe respondem "como veio", a criança sai bem; se lhe dizem "como está", sai negra e comendo bichos, que é o sustento que o Diabo lhe dava.
Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores
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