sábado, 14 de agosto de 2010

Freixo De Espada À Cinta

Ilustração de Jorge Miguel

Freixo De Espada À Cinta é uma povoação muito antiga da qual quase tudo se ignora: a época da fundação, o fundador, a origem do nome. Sabe-se que em tempos de Afonso Henriques já era uma vila populosa e que D. Dinis mandou fazer nela um magnífico castelo e uma igreja dedicada a S. Miguel Arcanjo.

Ao perder-se a memória histórica, surge a lenda ... mas no caso de Freixo De Espada À Cinta há mais do que uma...

Uma delas diz que foi fundador da vila um fidalgo chamado Feijão, primo de S. Rosendo. Este senhor teria por armas um freixo e uma espada, o que explicaria o nome da povoação. Outra conta de um capitão godo, chamado Espadacinta, que chegando àquele sítio cansado de uma batalha se deitou à sombra de um grande freixo que ali existia. Este facto deu o nome à árvore e, em seguida, à povoação que nasceu junto a ela. Ainda há tempos existia na terra um freixo que era respeitado como se fosse o que a lenda perpetuou.

A terceira liga-se a uma passagem que el-rei D. Dinis teria feito por aquela região transmontana. Conta a história que em plena guerra com o infante D. Afonso, seu filho, num dia de tórrido calor de Verão, o rei parou para descansar à beira da povoação. Vendo um freixo, desmontou do seu ginete de guerra e pendurou a espada num ramo. Deitou-se então no acolhimento refrescante da copa que o recobriu e deixou-se dormir.

E sonhou, sonhou um sonho estranho e muito real. Da árvore a que se encostara saiu um velho que se lhe dirigiu. À cinta trazia a espada real, nos gestos carregava o tempo sem pressa, nos olhos uma profecia a cumprir. Não era um velho vulgar, mais parecia uma árvore muito autêntica e muito antiga. Os cabelos e as barbas eram feitos de finos ramos entretecidos de folhas e a voz com que se dirigiu a el-Rei soava como a folhagem rumorejada pelo vento:

- Rei da terra, que quebraste o meu encanto, ouve. Estou aqui, desde o princípio das eras, à tua espera! Ouve o que devo dizer-te para que cumpras, também tu, o destino do teu reino, para que os teus filhos saibam cumprir-te e cumpri-lo. Ouve, rei da terra!

O velho espírito do freixo, encantado que fora na aurora dos tempos, até que um rei dependurasse a espada real no seu corpo vetusto, para lhe poder contar os secretos desígnios do destino, o velho espírito do freixo murmurou a D. Dinis mil directrizes sábias e silenciosas. A lenda não conta o quê, mas provavelmente deixou-o penetrar no seu olhar profético e vislumbrar o futuro que esperava o minúsculo reino dos portugueses.

Quando o Rei acordou trazia no seu olhar, lá do mundo dos sonhos, o reflexo dos destinos certos que conhecera. Os cavaleiros que velavam o seu sono só puderam ler-lhe nos olhos a alegria calma do saber profundo e não sentiram tocá-los a iluminação súbita da verdade.

Levantando-se, el-Rei deitou mão à sua espada, que ainda estava dependurada no mesmo ramo. Os seus dedos perpassaram suavemente sobre o tronco velho da árvore antiga, tão parecida com o homem estranho do sonho. Com um sorriso, el-Rei virou-se para os companheiros, espantados com aquela inesperada ternura, e anunciou que doravante aquela terra se chamaria - até ao fim das eras - Freixo de Espada à Cinta.


Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores
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