sábado, 8 de janeiro de 2011

A serpente branca



Há muitos e muitos anos, vivia um rei muito celebrado pela sua sabedoria. Nada lhe era oculto. Era como se o conhecimento das coisas mais secretas lhe chegasse pelo ar. Mas tinha um estranho costume. Quando a refeição do meio-dia acabava, a mesa era tirada e não havia mais ninguém presente, um criado de confiança trazia-lhe um prato a mais. Esse prato era coberto. Nem mesmo o criado sabia o que havia ali dentro. Nem ele nem mais ninguém, porque o rei só tirava a tampa e comia, depois que ficava sozinho.

Um dia, o criado não agüentou mais de curiosidade. Secretamente levou o prato para o seu quarto, trancou a porta com cuidado e, quando levantou a tampa, viu que lá dentro havia uma serpente branca.

Depois de ver a cobra, não agüentou ficar sem provar. Cortou um pedaço bem pequeno e pô-lo na boca. Assim que o pedacinho da serpente tocou a sua língua, o criado começou a ouvir sussurros suaves e estranhos do lado de fora da janela. Quando se debruçou para ver o que era, descobriu que as vozes que murmuravam eram de pardais conversando, que contavam uns aos outros tudo o que tinham visto pelos bosques e campos. Provar a serpente tinha-lhe dado o poder de entender a linguagem das aves e dos animais.

Ora aconteceu que justamente naquele dia desapareceu o melhor anel da rainha. Como o criado de confiança tinha toda a liberdade para ir onde bem entendesse no palácio, suspeitaram que o tivesse roubado. O rei mandou chamá-lo e disse-lhe que, a não ser que ele desse o nome do ladrão até o dia seguinte, seria considerado culpado e decapitado. Não adiantou jurar inocência. O rei mandou-o embora sem uma palavra de consolo.

Com medo e sentindo-se desgraçado, o criado foi até ao quintal e ficou a pensar, a ver se encontrava uma maneira para sair daquela situação. Alguns patos estavam calmamente sentados à beira de um riacho, à vontade, alisando-se com o bico e conversando. O criado parou e escutou. Cada um dizia aos outros o que tinha acontecido em todos os lugares por onde tinha nadado naquela manhã, e toda a comida deliciosa que tinha comido. Mas um deles disse, queixoso:

— Estou com um peso no estômago... Estava a comer tão depressa que engoli um anel que estava no chão debaixo da janela da rainha...

O criado rapidamente agarrou o pato pelo pescoço, levou-o direto para a cozinha e disse ao cozinheiro:

— Olha só este pato gordo... e se o assasses?

— Pois é... — disse o cozinheiro, pesando o pato com a mão. — Já que ele se esforçou para ganhar tanto peso, é tempo agora de ir para o forno.

Cortou o pescoço do pato e depois, quando estava a limpar a ave para a assar, encontrou o anel da rainha no estômago. Com isso, não foi difícil o criado convencer o rei de sua inocência. Querendo reparar a injustiça que tinha feito, o rei perguntou-lhe se havia alguma coisa que ele desejasse, e ofereceu-lhe o cargo que ele quisesse na corte.

O criado recusou todas as honras e disse que só queria um cavalo e um pouco de dinheiro, porque desejava ver o mundo e viajar um bocado. O rei logo lhe deu o que queria, e ele partiu.

Um dia, passando por um lago, notou que três peixes estavam presos nuns caniços e estavam a ficar sem água. Dizem que os peixes são mudos, mas ele ouviu muito bem como eles gemiam, diante da morte horrível que os esperava. Como era um bom homem, desceu do cavalo e pôs os três cativos novamente na água. Eles puseram as cabecinhas de fora, abanando-se de alegria, e disseram:

— Vamos lembrar-nos disto e recompensá-lo por nos ter salvo.

Ele continuou o seu caminho e, pouco depois, ouviu uma voz que vinha da areia a seus pés. Prestou atenção e ouviu a queixa do rei das formigas:

— Se os humanos conseguissem manter os seus animais desajeitados bem longe de nós, seria óptimo! Este cavalo estúpido com cascos imensos e pesados está a esmagar o meu povo, sem piedade...

Ao ouvir aquilo, o criado saiu por um caminho lateral, e o rei das formigas gritou:

— Vamos lembrar-nos disso e recompensá-lo...

O caminho levava a uma floresta. Lá, ele viu um casal de corvos empurrando os filhotes para fora do ninho:

— Fora, seus marmanjões! — gritavam. — Não podemos mais encher as vossas barrigas. Já estão bem crescidos para arranjarem a vossa própria comida.

Os pobres filhotes batiam as asas desajeitados e não conseguiam levantar-se do chão.

— Ainda somos filhotes indefesos... — gritavam. — Como é que podemos arranjar comida se ainda nem sabemos voar? Vocês vão fazer-nos morrer de fome!

Ouvindo isso, o bom jovem apeou, matou o cavalo com a espada e deu a sua carne para alimentar os filhotes de corvo. Eles vieram saltitando, comeram até se fartar, e disseram:

— Vamos lembrar-nos disso e recompensá-lo.

Daí para a frente, seguiu a pé. Depois de muito caminhar, chegou a uma grande cidade. As ruas estavam cheias de barulho e movimento. Um homem a cavalo anunciava que a filha do rei estava procurando marido, mas que quem quisesse pedir a sua mão, precisava primeiro cumprir uma tarefa muito difícil e, se falhasse, perderia a vida. Muitos já tinham tentado, mas arriscaram a vida à toa. Quando o jovem viu a filha do rei, ficou tão estonteado com a sua beleza que se esqueceu do perigo, foi até o rei e apresentou-se como pretendente.

Foi levado diretamente à beira do mar. Lá, diante de seus olhos, atiraram à água um anel de ouro. Depois, o rei disse-lhe que ele tinha de ir buscar o anel ao fundo do mar. E acrescentou:

— Se saíres da água sem ele, serás atirado de volta, tantas vezes quantas necessário, até morreres nas ondas.

Os cortesãos ficaram com pena do jovem e lamentaram a sua sorte, tão bonito. Depois, deixaram-no sozinho na praia.

Ele ficou um pouco ali parado, pensando no que ia fazer. De repente, viu três peixes nadando em sua direção — justamente os três cujas vidas ele tinha salvo. O do meio tinha uma concha na boca. Depositou-a na praia, junto aos pés do rapaz. Quando pegou na concha e a abriu, viu que lá dentro estava o anel de ouro.

Todo contente, levou o anel até ao rei, esperando receber a recompensa prometida. Mas a princesa era muito orgulhosa e, quando viu que ele era inferior a ela em nascimento, desprezou-o e disse que ele ia tinha de cumprir uma segunda tarefa. Desceu até ao jardim e espalhou dez sacos cheios de farelo no meio da relva.

— Terás que recolher tudo até amanhã, antes do sol nascer — disse ela —, sem faltar um único grãozinho.

O rapaz sentou-se no jardim e começou a pensar numa maneira de cumprir a tarefa, mas não lhe ocorria nada. E lá ficou ele, tristíssimo, esperando que o levassem para a morte quando o dia nascesse. Mas quando os primeiros raios do sol chegaram ao jardim, ele viu que os dez sacos estavam de pé, cheios até à borda, sem faltar um grãozinho. O rei das formigas tinha vindo durante a noite, com milhares e milhares de formigas, e os bichinhos agradecidos tinham juntado todos os grãos de farelo dentro dos sacos outra vez.

A filha do rei veio em pessoa até ao jardim e ficou espantadíssima ao ver que a tarefa tinha sido cumprida. Mas o seu coração ainda se recusava a render-se. Por isso, ela disse:

— Ele cumpriu as duas tarefas. Mas não será meu marido enquanto não me trouxer um fruto da árvore da vida.

O rapaz nem sabia onde ficava a árvore da vida. Partiu procurando, resolvido a andar até onde as pernas o levassem, mas sem qualquer esperança de a encontrar.

Uma noite, depois de procurar por três reinos, chegou a uma floresta. Sentou-se debaixo de uma árvore e estava quase a dormir quando ouviu um barulho nos galhos e uma fruta de ouro caiu nas suas mãos. Ao mesmo tempo, três corvos desceram a voar da árvore, pousaram nos seus joelhos e disseram:

— Nós somos os filhotes de corvo que não deixaste morrer de fome. Quando crescemos e ouvimos dizer que estavas à procura da fruta de ouro, voámos por cima do mar até ao fim do mundo, onde cresce a árvore da vida, e encontrámos a fruta.

Muito contente, o rapaz voltou para casa. Deu a fruta de ouro à princesa e, depois disso, ela não tinha mais desculpa. Dividiram o fruto da vida e comeram-na juntos. O coração dela encheu-se de amor por ele, e os dois viveram felizes para sempre.

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