A ribeira de Sacavém, ao passar por Frielas, toma o nome desta povoação, hoje praticamente dentro da Grande Lisboa. Contudo, na época em que se passa esta lenda, Frielas era um arredor saloio da capital, no meio de hortas e descampados aqui e ali salpicados de pequenas povoações de impecável brancura.
Conta a tradição que uma tardezinha, era lusco-fusco, quase noite, vinha um homem a descer pelo caminho que ia do Casal do Monte até à igreja da Póvoa de Santo Adrião quando, ao chegar à encruzilhada, viu um cabritinho aos saltos na ribanceira. O homem parou e disse para consigo:- Olha que cabritinho tão bonito! Mas como é que o animal anda aqui sozinho a estas horas?
Foi-se chegando, devagarinho para não o assustar, e quando o teve ao alcance da mão começou a acariciá-lo; e o cabritinho a deixar, com ar manso e satisfeito. O homem decidiu então levar o animal para casa e meteu-o debaixo do braço, continuando o seu caminho.
Poucos passos adiante, já não podia com o braço, cansado com o peso do bicho. Passou-o para o outro lado e, daí a nada, a mesma coisa. Com um suspiro de desânimo, arriou o cabrito, enquanto dizia:
- O raio do cabrito sempre pesa que parece que tem chumbo! Nada, o melhor é levá-lo às costas...
Pô-lo às costas e retomou fôlego e caminho. Mas o animal cada vez pesava mais! No sítio a que se chamava Alto do Pinheiro Torto por causa de um pinheiro que lá havia e não era como os outros porque o tronco, a meia altura, quebrava para baixo e depois tornava a subir, fazendo um feitio como que de sela, nesse sítio, o homem já não se podia mexer, tal era o peso do animal. Subitamente, atravessou-lhe a mente o pensamento de que ali havia «história» - humm, um animal tão pequeno! - e atirou com o cabrito para o meio do chão:
- Vai-te embora, diabo, que és coisa ruim!. ..
O bicho abalou logo a fugir e então é que o homem viu que era, na realidade, o Diabo - que até fazia faíscas no chão!
- Ora até que enfim que achaste alguém que andasse contigo às costas, mofino! - gritou-lhe de longe o homenzinho, com um certo tom de alívio, apesar de no fundo se sentir um nadinha defraudado.
Segundo a lenda, o Diabo aparecia todas as tardes na encruzilhada dos quatro caminhos e foi para obstar às suas marotices que alguém mandou construir o nicho com o Senhor, a quem chamaram da Ribeira. Desde então o Diabo não voltou mais a aparecer na ribeira de Frielas.
Este nicho foi parcialmente destruído quando da implantação da República. Há alguns anos atrás, ainda se viam ao pé dele os restos da cruz cimeira de calcário e conservava a gradezinha de ferro a fazer de porta. Dentro estava a imagem do Senhor, alumiada com uma lâmpada, e as esmolas eram deitadas através da grade para uma covinha no fundo.
Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas