segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A casa da moura Zaida


As antas que se espalham pelo território português têm constituído ao longo do tempo morada de seres fantásticos, mouras e diabos quase sempre. (...)

Em Avis, no Alentejo, há pois uma anta chamada Casa da Moura. A esta anta ligou a tradição popular uma lenda que fala de uma moura adormecida juntamente com os seus tesouros, a bela Zaida, e que foi desencantada por um homem de coragem - que coragem era necessária para vencer o touro guardião do seu encantamento!



(...) dizia a velha história: "No dia em que alguém conseguir fugir ao touro e atravessar o ribeiro sem ser alcançado, o touro correrá ao longo da margem para passar ao outro lado, no sítio onde o rio acabe". Riram-se-lhe os olhos. Encharcado mas contente consigo, gritou à fera que corria cegamente: - Corre, corre rio abaixo! Procura o fim que chegarás ao mar! Adeus, boa viagem!

Voltou-se então para a anta, eufórico por ter conseguido afastar o obstáculo que se lhe entrepunha à riqueza. Aproximou-se e tocou na pedra. Um ruído vindo das profundezas e acompanhado de violentos estremeções fez ruir as pedras, que desabaram estrepitosamente. No meio da rocha do fundo abriu-se um alçapão e viram-se alguns degraus.

O rapaz iniciou então a descida. (...) Por fim atingiu o último degrau e chegou a um túnel, tão estreito que foi obrigado a continuar de rastos, mas no fim do qual o seu esforço foi recompensado.

Uma enorme gruta, abobadada até deixar de se ver, brilhava iluminada por riquezas fabulosas, umas incrustadas na própria rocha, outras amontoadas aqui e além. No centro, deitada entre coxins, estava a moura, a senhora daquela casa. Dormia placidamente um sono de centenas de anos. Sobre a sua cabeça pairavam no espaço, desapoiadas, as letras do seu nome: Zaida. O rapaz, estarrecido, leu-o em voz alta e, inesperadamente, a moura ergueu-se, perguntando:
- Quem me chama?

Esvaído de espanto, o rapaz não conseguia articular resposta e, engolindo em seco, acenou com a cabeça, indicando ter sido ele quem a nominara.
- Como soubeste o meu nome?
Sempre silenciosamente, o rapaz apontou para as letras escritas no ar.
- E o meu guarda? Como entraste aqui?
Respondeu ele, recuperada que fora a calma:
- Anda a procurar-me rio abaixo, senhora.
- Então, meu amigo, olha em volta. Escolhe o que quiseres e puderes carregar, que tudo é teu!



Ante a quantidade e variedade das riquezas, o rapaz sentia-se incapaz de escolher.
- Anda, é tudo teu!
- Tudo meu, tudo meu?!
- Ora diz-me: entre tudo isto, o que preferes?
- Estou doido, senhora, doido! Não sei, não sei... olhe, senhora moura, basta-me a senhora! Não quero mais nada…

Acabadas que foram de proferir estas palavras tudo ruiu como se não tivesse passado de um sonho. A moura e o rapaz viram-se, subitamente, frente à anta intacta. Ao lado de ambos, sob o chapéu da anta, estavam duas arcas, uma de ébano, outra de marfim, cheias de maravilhosas jóias rebrilhando fantásticas ao sol. Do lado de fora esperava-os uma mula branca, também ela rica de jaezes.

O rapaz colocou as arcas nos alforges da mula e sentou a moura em cima do animal, depois de lhe beijar a mão. Desceram o monte, ela a cavalo na besta, ele segurando-lhe as rédeas.

Estava um dia maravilhoso de sol e nunca mais ninguém os viu.

Ficou a anta, a Casa da Moura, e ficou a lenda para eu vo-la contar.


Fernanda Frazão, Lendas de Portugal
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