sábado, 25 de junho de 2011

À procura das mouras encantadas...


As moiras ou mouras encantadas são espíritos, seres fantásticos com poderes sobrenaturais do folclore popular português. São seres obrigados por oculta força sobrenatural a viverem em certo estado de sítio como que entorpecidos ou adormecidos, enquanto determinada circunstância lhes não quebrar o encanto. 

Segundo antigos relatos populares, são as almas de donzelas que foram deixadas a guardar os tesouros que os mouros encantados esconderam antes de partirem para a mourama. As lendas descrevem as mouras encantadas como jovens donzelas de grande beleza ou encantadoras princesas e perigosamente sedutoras. Aparecem frequentemente cantando e penteando os seus longos cabelos, louros como o ouro ou negros como a noite, com um pente de ouro, e prometem tesouros a quem as libertar do encanto.


Podem assumir diversas formas e existe um grande número de lendas, e versões da mesma lenda, como resultado de séculos de tradição oral. Surgem como guardiãs dos locais de passagem para o interior da terra, os locais "limite", onde se acreditava que o sobrenatural podia manifestar-se. Aparecem junto de nascentes, fontes, pontes, rios, poços, cavernas, antigas construções, velhos castelos ou tesouros escondidos.

Julga-se que a lenda das mouras terá a sua origem em tempos pré-romanos. As mouras encantadas apresentam várias características presentes na Banshee das lendas irlandesas. Também na mitologia basca, os Mairu (mouros) são os gigantes que construíram dólmens e os cromeleques e na Sardenha podemos encontrar os domus das Janas (casas das fadas). Na Península Ibérica, as lendas de mouras encantadas encontram-se também na mitologia galega e asturiana. Na tradição oral portuguesa, as Janas são uma outra variante de donzelas encantadas.


Especula-se que o termo moura (moira) possa derivar da palavra grega "moira" (μοίρα), que literalmente significa "destino", e das Moiras, divindades originárias da mitologia grega. Outra corrente indica que a origem poderá vir das palavras celtas "mori", que significa mar, ou "mori-morwen", que designa sereia, provavelmente relacionando as mouras com as ondinas ou as ninfas, os espíritos sub-humanos que habitavam nos rios e nos cursos de água.

As variantes da lenda

A Princesa Moura é uma muçulmana encantada que habita um castelo e se apaixona por um cavaleiro cristão do tempo da Reconquista. A Lenda da Moura Salúquia é uma outra variante: em vez de um cristão, o amor da Princesa Moura é um mouro. Muitas destas lendas tentam explicar a origem de uma cidade e evocam personagens históricas, outras lendas apresentam um carácter religioso como acontece na lenda de Oureana.


No contexto histórico, os lugares, as pessoas e acontecimentos situam-se num mundo real, e existe uma localização temporal bem definida. No entanto, é possível que factos reais se tenham simplesmente fundido com antigas narrativas lendárias.

A Moura-fiandeira transporta pedras sobre a cabeça e fia com uma roca à cintura. A tradição popular atribui a estas mouras a construção de castros, citânias, e outros monumentos megalíticos. As moedas antigas encontradas nas citânias e castros eram chamadas de "medalha das mouras". A Pedra Formosa encontrada na Citânia de Briteiros terá sido, segundo narrativas populares, levada à cabeça para este local por uma moura que fiava uma roca.


Quem se sentasse numa Pedra-Moura ficaria encantado, ou se alguma pedra encantada fosse levada para casa, os animais poderiam morrer. As "Pedras-moura" guardavam riquezas encantadas. Existem várias lendas em que a moura, em vez de ser uma pedra, vive dentro de uma pedra. Na tradição popular diz-se que no penedo «entra-se para dentro» e «sai-se de dentro», dizer possivelmente relacionado com as lendas das mouras. A moura é também descrita a viajar para a mourama, sentada numa pedra que pode flutuar no ar ou na água. Dentro de grutas e debaixo das pedras, muitas lendas falam que existem palácios com tesouros.

A Moura-serpente é uma moura encantada que pode tomar a forma de uma serpente. Algumas destas mouras serpentes, ou mouras-cobra, podem ter asas e podem aparecer como meio mulher meio animal, como na lenda da serpente de Noudar ou do Monte d'Assaia. A Moura-Mãe toma a forma de uma jovem encantada que está grávida, e a narrativa centra-se na busca de uma parteira que ajude no nascimento e na recompensa que lhe é dada. A Moura-Velha é uma mulher idosa; as lendas em que aparecem mouras com figura de velha não são frequentes no nosso país.

Elementos habituais da lenda

O ouro das Mouras pode aparecer em variadas formas: figos, pedras, carvões, saias, meadas, animais e instrumentos de trabalho. Existem diferentes meios de se obter o ouro: pode ser oferecido pela moura como recompensa, roubado, ou achado. Frequentemente está dentro de um vaso, escondido dentro de panelas enterradas ou outros recipientes. Habitualmente, é no dia de São João que se acredita que as mouras aparecem com os seus tesouros, quando se pode quebrar o seu encantamento.


Algumas lendas têm este dia em que a moura encantada espalha os figos num penedo, ao luar. Noutras variantes, a moura espalha os figos ou a meada de ouro ao sol em cima do penedo. Estas lendas estão possivelmente relacionadas com a tradição popular de, nalgumas regiões, apanhar-se o figo lampo no dia de São João, um figo branco que se levava de presente. Este dia marca a data do solstício de Verão, sendo a sua referência talvez a reminiscência de algum culto solar pagão.

Uma fonte é um dos locais que as mouras aparecem frequentemente, muitas vezes como serpentes. Muitas vezes eram atribuídas virtudes mágicas às suas águas, como na Fonte da Moura Encantada. Também é do costume popular dizer de quem casou em terra alheia, "bebeu da fonte" e ficou enamorado, numa alusão às lendas em que os jovens se apaixonam e ficam encantados pelas mouras.


O encantamento da moura pode ser causado pelo pai ou algum outro mouro (ou génio) que a deixou a guardar os tesouros, geralmente uma figura masculina. São geralmente os mouros que têm o poder de encantar as mouras. Nas lendas, a moura pode aparecer sozinha, acompanhada de outras mouras encantadas, ou de um mouro, podendo este ser um pai, a pessoa amada, ou um irmão.

Para se realizar o desencantamento da moura, pode ser solicitado segredo, um beijo, um bolo ou pão sem sal, leite, o pronunciamento de algumas palavras, ou a realização de alguma tarefa, como não olhar para algo velado e aguentar a curiosidade. Falhar é não desencantar a Moura e "dobrar o encanto", não obter o tesouro desejado ou perder a moura amada.


Nas lendas em que é solicitado o pão, levanta-se a hipótese de estarem relacionadas com a antiga tradição de se oferecer alimento aos defuntos. Do mesmo modo, o leite pode estar relacionado com as oferendas que se faziam às águas das fontes e às cobras. A população mais antiga contava também que as cobras gostavam muito de leite. Uma das lendas das mouras de Formigais faz referencia à preferência das mouras por leite. Quando desencantada, a moura pode tornar-se humana e casar com o seu salvador ou desaparecer.

A mourama é um local mágico onde moram os mouros encantados. Nas lendas com um contexto histórico, é o local onde os mouros muçulmanos vivem. O tempo da mouraria representa um tempo incerto no passado, a mesma referencia intemporal do "Era uma vez" ou o "Há muito muito tempo", com que começam os contos de fadas. As mouras eram associadas a vários fenómenos naturais ou elementos da natureza. Acreditava-se que o eco era a voz das mouras. Algumas lendas contam que há locais onde ainda é possível ouvir uma moura a chorar.


Os monumentos funerários são frequentemente associados às mouras. Em algumas regiões, as antas são chamadas popularmente de mouras ou Casa da Moura, e antigamente acreditava-se que as mouras viviam nestas construções. A Pedra da Moura, a Antas de Pala da Moura, e a Anta da Arquinha da Moura são exemplo dos monumentos associados às lendas. 

Outro tipo de sepultura associada às mouras são as sepulturas cavadas na rocha, como é o caso de Cama da Moura, Cova da Moura e Masseira. Segundo a narrativa popular, a sepultura chamada Masseira era o lugar onde a "moura amassava o pão".

Fonte: Portugal Místico
Ilustrações retiradas de Lendas de Portugal, de Fernanda Frazão

(dedico este post à minha amiga arKana, que partilha comigo o fascínio pelas lendas das moiras encantadas!)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Uma lenda para a noite de S.João: A moura de Algoso


Algoso é uma pequena aldeia perdida nas serranias transmontanas. Diz uma lenda que ainda hoje por lá corre que, no tempo dos Mouros, existia nos arredores um bruxo famoso, conhecedor de mezinhas milagrosas e sabedor do passado e do futuro. Vivia num casebre um pouco afastado da povoação, mas nem a pobreza da sua casa, nem o afastamento da mesmo obstavam a que ali acorressem quantos acreditavam nas suas capacidades mágicas ou videntes.

Na verdade, ricos e pobres, de longe ou de perto, todos ali acudiam em busca de cura para os seus males, pedindo filtros de amor ou indagando sobre o que lhes reservaria o futuro. Em certos dias era uma autêntica romaria. E com tudo isto o bruxo criou fama e proveito de homem rico, apesar de continuar a viver no pobre casebre tentando fazer-se passar por miserável. 

Entretanto, os cristãos iam avançando na reconquista do território ainda sobre a dependência dos Mouros e estavam a aproximar-se rapidamente de Algoso. Sabendo disto o bruxo, que não podia prever o seu próprio futuro, calculou que a ocupação cristã não viesse a ser muito demorada e decidiu esconder os seus tesouros, disposto a recuperá-los mais tarde, quando pudesse recuperar o seu oficio.


Assim pensando, escolheu o que poderia carregar consigo, e o restante, as jóias e o ouro, meteu-o num cofre de marfim chapeado a cobre. Feito isto, e como precisava de encontrar um bom esconderijo para a sua fortuna, partiu com o cofre debaixo do braço em demanda do melhor local.

Depois de muito procurar, achou que o melhor sitio era debaixo da fonte de S. João, debaixo das raízes de um enorme e belo chorão que derramava a sua sombra as águas. Pegou numa enxadinha e cavou um buraco apropriado ao tamanho do cofre. Meteu-o lá dentro, tapou-o com terra e disfarçou a obra com folhagem e gravetos.

Terminado o trabalho, levantou-se e olhou em volta. Espantado, viu uma mourinha que, descuidada, descia uma vereda da serra cantando uma velha canção. Convencido que a moura o vira esconder o cofre e estava agora  disfarçando o caso, o bruxo encaminhou-se para ela, olhou-a com uma estranha fixidez, fez uns sinais misteriosos e, recitando certa oração antiga, lançou sobre a menina um encantamento, de tal modo que ela desapareceu no mesmo instante. 

Casquinhando, esfregou as mãos, pegou nos seus haveres e desandou rapidamente para a floresta, donde nunca mais voltou. A lenda da moura de Algoso foi passando de boca em ouvido, de geração em geração.
A fonte de S. João de resto, continuava ali, lembrando a todos a desdita da mourinha encantada pelo bruxo e desafiando a coragem de quem sonhasse desencantá-la. 

Uma noite, muito próxima da de S. João, uma rapaz de Algoso que se apaixonara pela história sonhou que via a moura na fonte. Mal acordou, decidiu que, desse lá por onde desse, havia de tentar ver na madrugada de S. João se a lenda era verdadeira. Além disso, como corria se alguém visse a moura nas suas horas felizes lhe podia fazer três pedidos, os quais seriam atendidos, o rapaz achou que, apesar do medo, era talvez vantajoso fazer aquela tentativa. 

Na véspera de S. João, encaminhou-se para a fonte ainda antes de anoitecer por completo. Procurou um local para se esconder, um local de onde visse sem ser visto, e preparou-se para esperar pela meia noite sem fazer ruído algum. O velho chorão da fonte, já centenário, continuava lançando sobre a água os seus ramos lacrimejantes. Do outro lado, havia agora um belíssimo roseiral, donde provinha um perfume intenso quando todas as rosas abriam. 

Chegou a meia noite. De repente o rapaz ouviu uma restolhada vinda das bandas do roseiral. Era uma enorme serpente que, rastejando, se dirigia para a fonte. Aí chegada, mergulhou três vezes. Qual não foi o espanto do moço quando viu aparecer sobre as águas uma menina: a moura da fonte e... mais bela do que tradição contava! 


A moura saltou com leveza da rocha para o solo e, sentando-se na borda da fonte, começou a cantar uma suave canção que o marulhar da água acompanhava, enquanto ela ia passando um pente pelos seus cabelos loiros. Subitamente, uma corça apareceu vinda da floresta e, sem mostrar qualquer receio, aproximou-se da moura, que a afagou com ternura. A corça, num gesto de agradecimento, lambeu-lhe as babuchas de damasco azul.

Era realmente um espectáculo de beleza que o rapaz jamais esperava encontrar, E, acocorado no seu canto, esqueceu os três pedidos que queria fazer, esqueceu tudo, esqueceu-se até de si mesmo, até que, bruscamente, a moura parou de se pentear, debruçou-se no tanque e desatou num pranto irreprimível. Chorava, talvez, a dor da sua solidão sem fim. 

Condoído, o rapaz fez um movimento para a consolar, esquecido do que não fosse aquela ânsia de ternura que dele se apoderara. Ao erguer-se, porém, fez estalar sob o corpo os ramos da sebe em que se escondera. A corça embrenhou-se rapidamente no mato e a moura desapareceu subitamente, evolando-se numa névoa sobre a águas da fonte de S. João de Algoso.


in Lendas Portuguesas de Fernanda Frazão

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Espada


VIBRAÇÃO: chackra da garganta
PALAVRAS-CHAVE: aspiração, verdade, esperanças e medos
PONTO ALTO: a Espada da verdade está na sua mão. Use-a com sabedoria
PONTO BAIXO: nem tudo estará perdido se abrir os olhos

Assim como o athame, a Espada é uma representação das forças masculinas. Ela representa a direção que toma a energia e tem a capacidade de "atravessar". No tarot, a Espada é uma representação do Ar - virada para cima, ela simboliza as esperanças; virada para baixo, simboliza os medos. Entre as espadas lendárias estão Excalibur, a espada do Rei Artur e a Espada de Dámocles.

A Espada indica a necessidade de levar a mente e as suas ideias para além dos domínios das esperanças e dos medos. Se deixarmos que a Espada rasgue os véus que dividem as percepções, descobriremos a verdade sobre o caminho que devemos tomar. Podemos traspassar a confusão com a Espada do silêncio, ou superar a frustração com a Espada da paciência, por exemplo.

Devemos prestar atenção ao que dizemos e evitar fofocas e intrigas. Sejamos honestos e atenhamo-nos à nossa própria verdade, mas respeitando também a verdade dos outros...

Sally Morningstar, O Livro Wicca

terça-feira, 14 de junho de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano: A Lua da Rosa

Designada por Lua dos Morangos, devido a ser a época em que se colhem estes desejados frutos, na Europa ela também é conhecida como a Lua da Rosa uma vez que as roseiras atingem o seu máximo esplendor em Junho. Com ela, celebra-se Litha, o Solstício de Verão.

Edward Burne-Jones, The Heart of the Rose, 1901

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A moira encantada

John William Waterhouse

Por manhã de San’João,
Que inda a aurora mal raiava,
E as ervas e as flores
Fino orvalho rociava,
Levantou-se o irmão mais velho
Do leito aonde velava:
Eram três todos pastores,
Cada um seu gado guardava.
Levantou-se o irmão mais velho,
Dos outros se recatava;
Foi direito à Fonte Santa,
Por ver que sorte deitava
Na manhã de San’João
Manhã de benta alvorada.

Banhando na fonte pura
Uma donzela se estava,
Seus cabelos de oiro fino
Com seu pente penteava.
Cada vez que corre o pente
Aljôfares desatava;
O seio tem descoberto,
Seio que de alvo cegava;
Cobre-lhe água o mais de corpo,
O mais que se imaginava.
Tem uma chave na mão,
Chave de oiro que brilhava.

- «Que buscais, pastor,
Que buscais nesta alvorada?»
- «Eu me vim à Fonte Santa
A ver que sorte deitava
Que a pobre vida que levo
A tenho amaldiçoada».

- «És diligente pastor,
E bom fado te fadava,
Que chegaste à Fonte Santa
Quando eu nela me banhava».
Passam dias, passam meses,
Um ano inteiro passava,
E ninguém na Fonte Santa
Não vê a Moira encantada,
Senão só nesta manhã,
Manhã de benta alvorada.

- «Sejas tu moira ou crosta,
Ou sejas demónio ou fada:
Tira-me da pobre vida
Que trago almadiçoada.»

- «Escolhe por tuas mãos
Escolhe o que mais te agrada,
Ou ser rico – ou se feliz,
Ter poder e nomeada».
- «A riqueza dá ventura,
Dá poder e nomeada:
Quero ser rico, donzela,
Que o mais depois o comprava».

Com sua chave de oiro fino
Na viva rocha tocava,
Abrira-se uma caverna,
O pastor por ela entrava.
‘Té às entradas da terra
A sua vista penetrava;
Quanta riqueza há no mundo,
Toda a riqueza ali estava.
De fina prata os rochedos,
A areia de oiro brilhava,
Os seixos puros diamantes
Que os olhos lhe cegava.
Tomou quanto pôde e quis,
Milhões e milhões tomava.
Nem mais não viu a donzela
Que na fonte se banhava,
Nem mais viu nada no mundo
Do que o oiro que levava.
Não tornou mais à cabana.
Dos irmãos não se lembrava,
Foi-se direito à cidade,
Terra e haveres comprava.

Já o sol vem arraiando
Um silvo a donzela dava,
Nas pedras da Fonte Santa
Uma cobra se enroscava.

John Strudwick

Ali dizem estar a moira,
Aquela moira encantada
Que só na manhã bendita
Se mostra pela alvorada:
Vê-la, foi vista por muitos,
Por ninguém desencantada.

Já o sol dá na choupana,
E os dois irmãos acordava,
Saíram com seus rebanhos
Que cada um deles guardava.
Passam horas, passam dias,
Viram que o outro irmão não tornava.
Dizia o irmão segundo
Ao mais novo, que chorava:
- «Fortuna achou nosso irmão
Que à choupana não voltava!».
Ele triste respondia:
- «Pobre de quem não voltava».

Passam meses, passa um ano,
Outra vez que alvorejava
A manhã de San’João
Que ervas e flores regava.
Levantou-se o irmão segundo
Apenas a alva alvejava.
Finge o mais novo que dorme
Mas não dormia, velava:
Contenta da sua sorte,
Mais sorte não cobiçava;
Por manhã de San’João.
Sua sorte não deitava.

Foi-se o outro à Fonte Santa,
A mesma donzela aí estava
Que o seu corpo delicado
Nas puras águas banhava
Mas os seus cabelos de oiro
Agora negros mostrava.
Uma coroa real
Sua cabeça coroava;
Ceptro que tinha na mão
De majestade cegava.
- «Bem-vindo sejas, pastor,
Bem-vindo nesta alvorada,
Que vieste à Fonte Santa
A ver a moira encantada:
A sorte de teu irmão
Em ti será melhorada:
Como ele podes ser rico,
Ou ter mando e nomeada,
Ou podes ser venturoso
Se a ventura mais te agrada».
- «Só uma sorte no mundo,
Uma sorte eu invejava,
Que é senhor e ter mando,
Tudo o mais por isso eu dava».

Sorriu de um triste sorriso
A donzela que o escutava:
Com o seu ceptro de oiro fino
Na viva rocha tocava,
Logo um soberbo castelo
Da rocha se alevantava
E um pendão de nobres armas
Nas ameias tremulava:
De escudeiros e vassalos
A torre se povoava,
Grande pompa de cortejo
À porta da torre estava.
- «Aí tens grandeza e mando,
Tudo o que mais cobiçava
O teu coração, pastor,
Que mais nada desejava».

Entrou na torre o pastor,
Entrou na torre fadada,
Não disse adeus à donzela,
Não se lembrou de mais nada.
Era grande, era senhor,
Aos seus vassalos mandava.
Nem voltou mais à choupana
Nem dos irmãos se lembrava.

Lá vinha o sol arraiando,
Um silvo a donzela dava,
Nas pedras da Fonte Santa
Uma cobra se enroscava:
Era a moira – a pobre moira
Cada vez mais encantada.

Já o sol dá na choupana,
O irmão móis moço espertava,
Leva o seu rebanho ao pasto
Que agora ele só guardava.
Passam dias, passam meses,
Viu que o irmão não voltava;
Triste, dizia consigo
- «Pobre do que não tornava!».

Passam meses, passa um ano,
Outra vez que alvorejava
A manhã de San’João
Que ervas e flores rociava.
Com saudades dos irmãos
O mais moço despertava:
- «Foi por tal manhã como esta
Que um e outro se ausentava.
Esta querida choupana
Que nosso pai fabricava,
Onde ao leite de seu peito
A nossa mãe (§) nos criava,
Nenhum mais cá tornava
Ambos seu fado os levava!
Que sorte seria aquela
Que o coração lhes mudava?
Vou-me eu à Fonte Santa
Vou também nesta alvorada».

John Strudwick

À fonte se foi direito
Inda a alva não alvejava,
Deu co’a formosa donzela
Que na fonte se banhava.
Tão bela como os mais anos
E ainda mais bela estava.
Nem de pedras preciosas,
Nem de pérolas se toucava,
Nem ceptro, nem chave de oiro
Na sua mão não brilhava;
Tinha uma c’roa de rosas
Alva, que de alva cegava;
As suas claras madeixas
Pelos ombros debruçava;
Com um sorriso de amor
Os alvos dentes mostrava;
No puro azul de seus olhos
Um céu aberto mostrava.

- «A que vens aqui, pastor,
A que vens nesta alvorada?
Que queres da Fonte Santa
Da sua moira encantada?».

- «Novas quero, buscar novas
De dois irmãos que eu amava,
Que há um ano e dois que se foram,
Que deles não sei mais nada.»

- «Um é rico, à sua porta
Se mede o oiro à rasada;
O outro tem poder e mando,
É senhor de capa e espada».

- «Dize-me tu, ó donzela,
Por esta benta alvorada,
E San’João te dê ventura,
Que sejas desencantada,
Dize-me se são felizes
Co’a sorte que lhes foi dada».

- «A sua sorte neste mundo
A ninguém não é deitada,
De escolher cada um por si
A liberdade lhe é dada:
Feliz o que bem escolhe,
Infeliz quem mal se fada!
Pastor, tu que és tão discreto,
A ti que sorte te agrada,
Ser rico, ou ser venturoso,
Ter poder e nomeada?».

- «Felizes são meus irmãos
Com a sorte que lhes foi dada?».
- «Um é rico, à sua porta
Se mede o oiro à rasada;
O outro tem poder e mando
É senhor de capa e espada».
- «Quer-lhe alguém bem neste mundo?».
- «Seu poder, sua riqueza
De todos é invejada».
- «Adeus formosa donzela,
Adeus moirinha encantada!
Que eu me vou ao meu rebanho,
Que já a manhã é nada».

- Pastor, toma esta capela
Que por ti foi bem ganha.
Do puro orvalho do céu
Nesta manhã foi banhada,
De frescas rosas tecida,
Por San’João abençoada.
Terás por ela a ventura,
A ventura bem fadada,
Que a moira da Fonte Santa
Há mil anos encantada
Tua será de alma e corpo,
Por ti foi desencantada».

Ventura todos a querem
Por todos é desejada:
Não a tem quem a procura,
A quem não a busca é dada.


Almeida Garrett

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Shekinah


VIBRAÇÃO: Céu na Terra
PALAVRAS-CHAVE: transcendência, fé
PONTO ALTO: Os sonhos podem se tornar realidade
PONTO BAIXO: Não estamos sozinhos

Shekinah é a morada sagrada da alma, o reflexo de Deus. O abraço da Mãe pode ser sentido tanto nos seus domínios celestiais como nos terrenos - Binah e Malkuth, respectivamente -, na Árvore da Vida cabalística. Muitas tradições místicas consideram a união do Senhor e da Senhora divinos um factor essencial para a transcendência e a bem-aventurança.

"Transcenda todas as limitações" é a sua mensagem. Tenhamos fé de que nos iremos encontrar a nós mesmos Rainha das Estrelas irradia a sua luz sobre nós e na nossa busca para descobrir qual é o propósito da , apreciando a nossa vida na Terra e seguindo os nossos sonhos.

Exercício de Magia:    Cristalomancia

Com o quarto na penumbra, coloque sobre uma toalha de veludo preto uma tigela de vidro cheia de água mineral. Mergulhe nela um pedaço de âmbar que tenha sido esfregado num tecido de seda ou algodão, para aumentar a estática da pedra. Fixe o olhar na água. Observe nuvens, movimentos, cores e impressões. Aprenda a confiar nessas impressões e a descobrir os seus significados.

O Livro Wicca, de Sally Morningstar

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O pássaro azul e a imperatriz da China

Um agradecimento muito especial à minha amiga Falcão de Jade por me ter despertado o interesse pelo Pássaro Azul!

Frank Cadogan Cowper, O Pássaro Azul

A imperatriz da China tinha tudo o que se pode imaginar: palácios de mármore e cobalto, com lagos de porcelana colorida, no meio de parques e jardins cheios de flores esquisitas e animais raros; tinha cofres a abarrotar de jóias de alto preço, e vestidos luxuosos e com a cauda tão comprida que a imperatriz já estava a sentar-se no trono da sala nobre do palácio onde vivia e ainda a cauda do vestido vinha à porta da rua, segura pelas mãos de muitos escravos, criados e aias, que eram às centenas para servir a imperatriz da China.

A imperatriz da China tinha móveis e espelhos, cavalos e carruagens, barcos de passeio e leques de plumas tão grandes, que uma vez abertos a tapavam toda; tinha relógios de complicados mecanismos, que tocavam as horas por música, e caixas de música com mecanismos mais complicados do que relógios.

Mas de tudo quanto possuía, o que a imperatriz da China mais adorava era um pássaro azul, cor do céu, com as asas esguias, do feitio de lanças, as penas da cauda recortadas e curvas, e o bico adunco, em forma de garra, e que tinha a particularidade de falar, o que não deve ser difícil na China, onde a conversa das pessoas é quase como o piar dos pássaros.

O pássaro azul da imperatriz da China vivia numa gaiola dourada, no meio da sala principal do palácio, e havia uma dúzia de criados para tratar dele. E a imperatriz passava a vida a con­versar com o pássaro azul.

— Trli-piu? — perguntava-lhe a imperatriz, o que em chinês quer dizer: "És feliz?"

E o pássaro azul respondia-lhe:

— Pió-pió-pió-piu! — que significa em chinês: "Estou triste, triste, triste!..."

E a imperatriz pensou que o pássaro azul talvez se sentisse apertado dentro da gaiola dourada, ele, que tinha nascido numa das grandes florestas dos confins da China, que também pertenciam à imperatriz. Então, ordenou que viessem à sua presença engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e mandou construir imediatamente uma gaiola tão grande que parecia uma estufa, com lagos artificiais, fontes e relvas, e sobretudo muitos troncos de árvore, para o pássaro azul poder voar à vontade de uns para os outros, como se estivesse num pequeno bosque.

Quando tudo estava pronto, mandou transportar o pássaro azul da gaiola dourada para aquela espécie de estufa, e entrou ela própria lá dentro para perguntar ao pássaro:

— Trli-piu?

Mas o pássaro azul pousou num ramo, deixou-se ficar uns momentos calado, e por fim respondeu:

— Pió-pió-pió-piu!...

E o último piu foi tão prolongado e triste que a imperatriz sentiu um peso no coração e uma grande vontade de chorar. Imediatamente, ordenou que viessem de novo à sua presença todos os engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e mandou construir uma enorme cúpula de vidro, armada sobre fortes varões de ferro, sobre o parque mais bonito que havia em redor do palácio, para soltar aí o pássaro azul.

Quando tudo estava pronto, a própria imperatriz da China pegou no pássaro azul com todas as cautelas, e soltou-o no parque envidraçado. Viu-o voar, voar, voar, cada vez mais alto, até à cúpula de vidro, por onde entrava o sol a jorros, e depois descer quase a pino e desaparecer entre a folhagem. Meteu-se pelas alamedas, arrastando a cauda, e chamou pelo pássaro azul com palavras meigas, que em chinês são ainda mais meigas, mas o pássaro azul não lhe respondeu. Até que o encontrou metido no buraco do tronco de uma árvore, e nem foi preciso perguntar-lhe nada, porque o passarinho repetia, num trinado que nunca mais acabava:

— Pió-pió-pió-piu! Pió-pió-pió, piiiu!...

Parecia que chorava. A imperatriz da China teve uma fúria e perguntou ao pássaro:

— Que queres afinal?

E o pássaro azul saiu do buraco do tronco da árvore, deu uma volta no ar, abriu as asas do feitio de lanças, sacudiu as penas da cauda recortadas e curvas, estendeu a cabeça para o alto, abrindo o bico em forma de garra, e trinou:

— Chrriu-chilriu-chilriu! — o que em chinês significa: "Quero a liberdade!"

A imperatriz da China ficou muito triste, mas depois de pensar um bocado mandou novamente chamar todos os seus engenheiros e arquitectos, carpinteiros e vidraceiros, jardineiros e canalizadores, e deu-lhes ordem para desfazerem o mais depressa possível a enorme cúpula de vidro, que cobria o parque.

E quando tudo estava acabado, a imperatriz da China voltou devagarinho para o palácio, e subiu até à janela mais alta da torre mais alta. Olhou para as copas das árvores do parque e viu o pássaro azul, de asas bem abertas, brilhando à luz do Sol como esmalte, as penas da cauda pendidas, o bico aberto apontando para o céu, voar, voar, voar sem descanso, cada vez mais alto, na direcção do infinito, tão azul como ele. E cantava alegremente, com toda a força dos seus pulmões, para a imperatriz da China ouvir:

— Trrriu-tchilriu-tiu-trliu-trliu-trliu! — o que em chinês quer dizer: "Sou feliz, feliz, feliz!"

E, enxugando uma lágrima de saudade ao lenço de rendas caras, a imperatriz da China sentiu-se feliz também.

Ricardo Alberty, O príncipe de ouro e outras histórias, Lisboa, Editorial Verbo, 1989
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