sábado, 29 de janeiro de 2011

A Máscara da Morte Escarlate

Um conto de Edgar Allan Poe.


Havia muito tempo que a “Morte Escarlte” devastava todo o país. Jamais uma peste fora tão letal e tão terrível. O sangue era a sua revelação e a sua marca: o vermelho e o horror do sangue. Começava com dores agudas, com um desvanecimento súbito, e logo os poros se punham a sangrar abundantemente. Sobrevinha, então, a decomposição. Manchas escarlates no corpo e, notadamente, no rosto da vítima, segregavam-na da humanidade e a afastavam de todo socorro e de toda compaixão. O contágio, o progresso e o fim da enfermidade consumiam apenas meia hora.

Mas o Príncipe Próspero era feliz, intrépido e astuto. Quando os seus domínios minguaram à metade de almas vivas, convocou um milhar de amigos fortes e de corações alegres, escolhidos entre os cavalheiros e damas da sua corte. E, com eles, formou um refúgio recôndito numa das suas abadias fortificadas. Tratava-se de uma vasta e magnífica construção, criação dele mesmo, o Príncipe, conforme seu gosto excêntrico e majestoso. Rodeava a construção um muro espesso e elevado, guarnecido de portões de ferro. Uma vez transpostos os muros pelos cortesãos, estes serviram-se de fornalhas e de vigorosos martelos para soldar os ferrolhos. Deliberaram entrincheirar-se contra os súbitos impulsos ou os desesperos provenientes do exterior e lacrar todas as saídas aos frenesins do interior.

A abadia estava amplamente abastecida. Graças a tais cuidados, os cortesãos poderiam enfrentar o contágio. Que o exterior se arranjasse como pudesse. De sua feita, seria uma loucura afligir a alma com meditações sobre a peste. O príncipe havia provido aquele refúgio com todos os meios prazerosos. Havia bufões, improvisadores, bailarinos, músicos, formosuras de todas as espécies. E havia, também, o vinho. Todas essas belas coisas havia no interior, além da segurança. Lá fora, disseminava-se a “Morte Escarlate”.

Foi ao fim do quinto ou sexto dia no seu refúgio, enquanto a peste fazia grande estragos além das muralhas, que o Príncipe Próspero proporcionou aos convivas um baile de máscaras da mais insólita magnificência.

Que quadro voluptuoso era o baile de máscaras! Permitam-me descrever os salões onde a festa ocorreu. Havia uma série de sete salões imperiais. Em muitos palácios, esta série de salões forma amplas perspectivas, em linha reta, quando as portas se descerram de par em par, de tal forma que a vista penetra até o fundo, sem qualquer obstáculo. Aqui, o caso era assaz diferente, como se era de esperar da parte daquele Duque e de sua inclinação pelo bizarro. Estavam as salas dispostas de forma tão irregular que a vista não poderia compreender senão um salão de cada vez. Ao término de um espaço de vinte ou trinta jardas, via-se uma brusca curva e, a cada esquina, o ambiente assumia um aspecto diferente. À direita e à esquerda, e ao meio de cada parede, uma alta e estreita janela gótica abria-se para um corredor fechado, que seguia a sinuosidade dos cómodos.

Cada janela era guarnecida de vitrais cujas cores harmonizavam-se com a tonalidade dominante da decoração do salão para o qual se abria. O que ocupava a extremidade oeste, por exemplo, era decorado de azul e os vitrais eram de um azul vívido. O segundo dos salões era decorado e guarnecido de cor púrpura e os vitrais eram igualmente púrpuras. O terceiro era completamente verde e verdes eram também as janelas. O quarto, alaranjado, estava iluminado por uma janela de igual cor. O quinto era branco e o sexto, violeta. O sétimo era rigorosamente forrado por tapeçaria de veludo negro, que revestia o teto e as paredes, e que caía em pesadas rugas sobre um tapete do mesmo material e de mesma cor. Mas, neste salão, a cor dos vitrais não correspondia ao da decoração: os vitrais eram escarlates, de uma tonalidade intensa de sangue.

Ora, em nenhuma daquelas salas se viam lâmpadas ou candelabros em meio à profusão de adornos em ouro, que se espalhavam em todos os cantos, ou se dependuravam ao teto. Não havia lâmpadas ou velas. Luz alguma dessa natureza emanava na sequência de salas. Porém, nos corredores que as envolviam, exatamente em frente de cada janela, elevava-se uma pesada trípode com um braseiro, a projetar os seus raios através dos vitrais coloridos, iluminando deslumbrantemente a sala. Perfazia-se uma miríade de formas cambiantes e fantásticas. Mas, na sala voltada ao poente, na câmara negra, a claridade do braseiro, que se refletia sobre as negras tapeçarias, através dos vitrais sangrentos, era sobremodo sinistra e incidia sobre as faces dos imprudentes que ali entravam, conferindo-lhes um aspecto de tal forma estranho que muito poucos dançarinos se sentiam com suficiente coragem para penetrar no recinto.

Também nesse salão se erguia, amparado no muro oriental, um gigantesco carrilhão de ébano. O seu pêndulo oscilava com um tic-tac surdo, pesado, monótono; quando os ponteiros dos minutos haviam percorrido todo o seu círculo, e a hora se completava, provinha dos pulmões de bronze um som claro, estrepitoso, profundo e extraordinariamente musical, mas de um timbre tão regular que, de hora em hora, os músicos da orquestra eram obrigados a interromper por alguns segundos a execução, para escutar a música das horas; e os dançarinos cessavam, à força, as suas evoluções. Uma momentânea perturbação grassava aquela multidão alegre e, enquanto soava o carrilhão, era possível notar que até os mais arrojados empalideciam e os de maior idade e reflexão passavam a mão à fronte, como se abandonados a uma meditação confusa ou a um devaneio. E, mal se dissipava o eco das horas, circulavam no ambiente leves risadas. Os músicos olhavam uns para os outros e riam-se dos próprios nervos e da própria loucura; e juravam, em voz baixa, que, da próxima vez que soasse o carrilhão, não sentiriam o mesmo desconforto. Mas, no entanto, quando decorridos os sessenta minutos da hora desaparecida, que continha os três mil e seiscentos segundos; quando irrompia uma nova batida do relógio fatal, reproduzia-se o mesmo estremecimento, os mesmos calafrios e os mesmos devaneios febris.

Apesar disto, a orgia continuava alegre e magnífica. O gosto do Duque era especialmente singular. Tinha a vista apurada para as cores e os efeitos que estas produziam. Desdenhava dos gostos da moda. Os seus planos eram temerários e selvagens e suas concepções brilhavam com um bárbaro esplendor. Alguns  julgavam-no louco. Mas os seus cortesãos sabiam que não. Todavia, era preciso vê-lo, tocá-lo, para se assegurarem de que ele não estava de facto ensandecido.

Para esse baile, havia o príncipe se ocupado, pessoalmente, da decoração do mobiliário das salas e foi o seu gosto pessoal que elegera o estilo das máscaras. Dúvidas não pode haver de que eram concepções grotescas. Tudo era deslumbrante e brilhante. Havia coisas chocantes, fantásticas, muito do que depois foi visto no “Hernani”. Havia figuras arabescas, com membros e adornos desconformes; fantasias delirantes como a loucura. Havia muito de belo, de licencioso, de bizarro; algo de terrível e não pouco do que produzia repugnância.

Era como se uma miríade de sonhos deslizasse de um lado para o outro nas sete salas. E tais sonhos  contorciam-se em todos os sentidos, tomando a cor dos salões, fazendo com que a estranha música da orquestra parecesse o eco de seus próprios passos. Mas logo soava o relógio de ébano no salão dos veludos. Então, por um momento, tudo se detinha, tudo emudecia, salvo o ecoar do relógio. Tudo se congelava nas suas posturas. Mas os ecos do carrilhão desvaneceram-se – não duraram senão um momento –, e, mal se extinguiram, as gargalhadas, mal reprimidas, ecoavam por todos os cantos. E a música voltava a tocar, reavivando os sonhos; aqui e ali os dançarinos retomavam as evoluções, mais alegre do que nunca, refletindo a cor dos vitrais atrás dos quais fluíam os raios da trípoda. Porém, no salão do extremo ocidental, não havia máscara alguma que se atrevesse a penetrar, porque a noite declinava. Ali se descerrava uma luz de um escarlate profundo, através dos vitrais cor de sangue, e a escuridão das cortinas tingidas de negro era aterradora. E, para aqueles que punham os pés sobre os tapetes, brotava do relógio de ébano um clangor ainda mais pesado, mais solenemente enérgico que o que chegava aos ouvidos dos mascarados que se divertiam nos salões mais distantes.

Mas esses outros salões estavam repletos e o coração da vida ali febrilmente pulsava. E o baile continuava, chegava ao seu ápice, quando do carrilhão soou a meia-noite. Então, como já se disse, a música parou; os que dançavam detiveram-se nas suas evoluções. E a angustiante imobilidade a tudo dominou. Agora, porém, o carrilhão bateria doze vezes. Desta vez, porque ecoou o mais longamente o carrilhão, inseriram-se nos pensamentos dos que se atiravam à diversão um maior volume de meditações. E talvez, por isso mesmo, muitos do que compunham a multidão, antes de se esgotarem os derradeiros ecos das últimas horas dadas, puderam perceber a presença de um mascarado que, até aquele instante, ninguém notara. E, tendo se espalhado, aos sussurros, a notícia daquela intrusão, insinuou-se na multidão um murmúrio indicativo de surpresa e desaprovação, que evoluiu para o terror, horror e repugnância.

Numa multidão fantasmagórica como a que descrevi, era necessário, sem dúvidas, que fosse a aparição absolutamente extraordinária para ensejar tal sensação. A licenciosidade carnavalesca daquela noite era, realmente, quase sem limites. Mas a personagem em questão havia transcendido à extravagância de um Herodes e ultrapassado os amplos limites do decoro que o Príncipe estabelecera. Há nos mais temerários corações cordas que não se deixam tocar sem emoções. Até entre os depravados, para quem a vida e a morte são igualmente um brinquedo, há coisas com as quais não se pode brincar. Os convivas pareciam sentir, profundamente, a inconveniência dos trajes e da conduta do estranho. Era ele alto e delgado. Estava envolto com uma mortalha funerária da cabeça aos pés. A máscara, que lhe ocultava as faces, reproduzia fielmente o semblante de um rígido cadáver, que um exame apurado teria dificuldades em perceber o engano. Ora, aquela frenética multidão bem poderia tolerar, e mesmo aprovar, aquela desagradável figura, acaso o mascarado não tivesse adotado a representação da “Morte Escarlate”. As suas roupas estavam enodoadas de sangue e a sua ampla testa, assim como as suas feições, salpicadas do horror escarlate.

Quando os olhos do Príncipe Próspero focaram a espectral figura – que, com solenes e enfáticos movimentos, feitos para melhor representar o seu papel, evoluía aqui e ali entre os dançarinos –, caiu numa violenta comoção e estremecimento, tomado pelo terror e pela repugnância. E, segundos depois, a sua fronte enegreceu de ira:

- Quem se atreve – perguntou com rouca voz aos cortesãos que o rodeavam -, quem ousa a insultar-nos com esta ironia blasfema? Segurem-no e desmascarem-no, para que saibamos a quem iremos enforcar, nos altos das almeias, ao amanhecer!

Encontrava-se o Príncipe Próspero, ao pronunciar estas palavras, no salão oriental, ou câmara azul, e a voz do Príncipe Próspero ressoou potente e clara pelos sete salões, pois o Príncipe era um homem impetuoso e forte, e a música havia cessado a um gesto de sua mão. Estes factos ocorriam no salão oriental, sendo o Príncipe ladeado por um grupo de pálidos cortesãos. No início, enquanto falava o Príncipe, o grupo  movimentou-se, levemente, na direção do intruso, que esteve, por um momento, quase ao alcance de suas mãos, mas que agora, com passos firmes e majestosos, se acercava cada vez mais do Príncipe. Mas, em razão do indefinível terror que a audácia do mascarado havia inspirado em todos aqueles que ali se reuniam, ninguém estendeu a mão para agarrá-lo, mesmo quando, sem qualquer obstáculo, passou a dois passos da pessoa do Príncipe. E tanto que a mesma assembleia, como que obediente a um só movimento, recuou do centro do salão às paredes. O mascarado seguiu, sem interrupção, o seu caminho, com os mesmos passos solenes e bem medidos, com os quais, desde o início, se distinguira, passando da sala azul à púrpura; da sala verde à alaranjada; e desta à branca; e da branca à violeta, sem que houvesse quem o detivesse.

Então o Príncipe Próspero, tomado de ira e de vergonha pela covardia momentânea, precipitou-se através das seis salas, sem que ninguém o seguisse, porque um temor mortal se apoderara de todos os convivas. Brandiu um punhal e se aproximou a uma distância de três ou quatros passos do fantasma que se retirava, quando este último, ao aproximar-se da sala de veludo, voltou-se bruscamente, afrontando aquele que o perseguia.


Ecoou um grito agudo e o punhal caiu, como um relâmpago, sobre o tapete fúnebre, onde o Príncipe  Próspero tombou morto, instantaneamente. Então, invocando a frenética coragem do desespero, a multidão de mascarados precipitou-se à sala negra, e, agarrando-se ao desconhecido, que se mantinha imóvel e erecto como uma grande estátua à sombra do carrilhão, viu-se presa de um terror inominável, ao perceber que não havia forma tangível alguma sob a mortalha e sob a máscara cadavérica. Todos reconheceram, então, que ali estava presente a “Morte Escarlate”. Ela se insinuara como um ladrão na noite.

E todos os convivas tombaram, um a um, nos salões das orgias, manchados de sangue, morrendo na mesma postura desesperada com a qual desabaram.

E a vida do relógio de ébano extinguiu-se com a do último daqueles seres licenciosos. E murcharam as chamas das trípodas. E as Trevas, e a Ruína e a “Morte Escarlate” deitaram sobre tudo o seu ilimitado domínio.

Edgar Allan Poe (Tradução de José Jaeger)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Encantamento


Broadcast - Valerie (And Her Week Of Wonders)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Feitiço

VIBRAÇÃO: astral
PALAVRAS-CHAVE: encantamento, ilusão, fantasia
PONTO ALTO: um desejo será atendido
PONTO BAIXO: ilusões e fantasias serão desfeitas

Os feitiços e encantamentos são proferidos, escritos, dançados ou criados em rituais secretos. O potencial mágico de qualquer feitiço requer energia, necessidade e concentração mental. Ervas, cristais, condimentos e símbolos sagrados são em geral usados, assim como as energias de determinadas divindades, associadas ao conteúdo do Feitiço em questão.

O Feitiço indica que há magia no ar  mas também aconselha-nos a prestar atenção ao modo como nos enganamos a nós próprios. Podemos descobrir que acordámos de um sonho ou ilusão. Se seguirmos o caminho da sabedoria e vermos a vida como ela é na realidade, encontramos sempre a verdade.

EXERCÍCIO DE MAGIA: Pó do Amor

Faça um pó mágico numa lua nova que anteceda o dia 30 de Abril. Acenda duas velas cor-de-rosa dedicadas a Afrodite. Numa tigela de cerâmica, triture bem os seguintes ingredientes:

 2 cravos-da-índia
1 colher de sopa de flores de alfazema
1 colher de sopa de mirtilo
1 colher de sopa de milefólio

Acrescente duas gotas de óleo essencial de rosas e misture tudo. Cubra a tigela e deixe repousar três dias. No festival de Beltane ou de Samhain, peça um namorado enquanto deita o pó do amor na fogueira.

MORNINGSTAR, Sally, O Livro Wicca

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

As 13 Luas Cheias do Ano - A Lua do Lobo

As festividades lunares eram denominadas de Esbats, vindo do francês "s'esbatre", que significa gozar, ter prazer, festejar. Não obstante a faceta lúbrica destas festividades, importa denotar que as luas cheias eram denominadas de acordo com cada mês e as suas características. Seria com plena consciência do meio ambiente circundante e da rotação dos astros e estrelas no céu, bem como das mudanças que a Natureza impõe sobre a Terra, que estes rituais eram celebrados. A Lua é a hipóstase da Grande Deusa, a Mãe que nutre e fortalece os campos e nos acompanha ao longo do ano.

Janeiro - A Lua do Lobo

Com a neve profunda do Inverno, as matilhas uivavam famintas perto das aldeias, razão pela qual  Lua Cheia de Janeiro ficou conhecida por este nome. Era conhecida também por Lua Depois de Yule. Enquanto decorrem ainda as Saturnálias, não podemos deixar de associar estes lobos à horda furiosa que acompanha o Senhor de Negro nas suas caçadas Selvagens.

in Mandrágora - O Almanaque Pagão, 2009,  Zéfiro


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Hildebrando



A fama de valente acompanhou toda a vida heróica de Hildebrando. Emocionando por voltar à sua terra, o velho cavaleiro cavalgava solitário. Sentia o vento frio da primavera a bater no seu rosto austero, curtido pelo sol e pelas marcas adquiridas nas batalhas que lhe fizeram a fama. Próximo do seu reino, Hildebrando viu, ao longe, a figura de um jovem guerreiro, com um porte da mais alta estirpe. O jovem preparava a armadura e a lança, pronto para conduzir o seu exército. Diante daquela cena que se armava em campo de batalha, Hildebrando correu a lembrança por todos os momentos da sua vida.


Quando novo, dedicara-se à educação de Teodorico, fazendo dele um dos maiores reis dos ostrogodos. Casara-se com a mulher mais bela do seu povo. Do ventre da amada, nascera um filho. Hildebrando, já cavaleiro de Teodorico, tendo a vida marcada por longas batalhas em favor do seu rei, só queria viver a paz de amar a mulher e contemplar o crescimento do filho. Mas o destino soprou-o na direcção contrária à paz. Um dia surgiu o sanguinário Odoacro, que ao pôr fim ao Império Romano do Ocidente, tornara-se o primeiro rei bárbaro em Roma. Para escapar da fúria de Odoacro, Teodorico fugiu, seguido dos seus cavaleiros.

Sempre fiel, Hildebrando acompanhou o seu rei, deixando às costas, a mulher e o filho. Por trinta anos o cavaleiro sofreu com a ausência da família. Seus olhos firmes marejavam ao se lembrar que não acompanhara o crescimento do filho. Sonhava com o dia em que voltaria a abraçá-lo, tê-lo contra o peito, finalmente.

Ao lado de Teodorico, Hildebrando invadiu a península Itálica e, bravamente, derrotaram Odoacro em Verona. O cavaleiro já poderia voltar para a família.

Sob o seu cavalo, Hildebrando viu, tão perto, a sua terra amada. Inesperadamente um exército, comandado por um jovem intrépido,  pôs-se-lhe no caminho. Seria a última batalha que travaria em vida. Após o seu término, voltaria para os braços da mulher e o amor do filho. Decidira depor a lança e a espada. Na sede de encontrar a paz, Hildebrando lançou-se com fúria contra o jovem que liderava o exército que  lhe obstruía a passagem.

Minutos depois, Hildebrando estava frente a frente com o jovem guerreiro. Estava pronto para desferir a sua lança, quando uma emoção estranha possuiu-lhe o coração. Mansamente aproximou-se do jovem, perguntando-lhe:

-Quem sois vós, bravo e audacioso guerreiro? De que estirpe herdastes tão fervorosa coragem, tão garbo semblante?

-Sou Hadubrand, filho de Hildebrando, o mais valente cavaleiro de todos os tempos, fiel servidor do rei Teodorico de Verona. Dele herdei a coragem que me faz defender o meu povo dos bárbaros e forasteiros como vós. Armai a vossa espada e a vossa lança, que em nome do meu saudoso pai, derramarei o vosso sangue de invasor! Pela honra do sangue que se me escorre nas veias, derramarei o vosso sobre a relva espargida pela primavera.

Hildebrando sentiu o coração saltar-lhe, sendo tomado pela mais forte das emoções. Ali, no último campo de batalha que decidira travar na vida, estava o próprio filho, que deixara de ser a sombra da lembrança, adquirindo o corpo do mais valente de todos os jovens guerreiros. Com a voz embargada, Hildebrando conseguiu dizer as palavras que guardara por todos os anos de exílio:

-Não sofras mais pela saudade, Hadubrand, pois sou eu, Hildebrando, o pai ausente, que tanto te fustiga a saudade. Assim como eu, tu és o mais valente dos bravos. Não me ergas a espada e a lança, mas os braços, pois de ti quero um longo e infinito abraço.

Ao ouvir as palavras do forasteiro, Hadubrand sentiu a cólera invadir o seu coração. Leu em cada palavra proferida, uma blasfémia à memória do pai.

-Como ousai a passar pelo mais honrado dos homens? Não vos permitirei que me vença com tão grotesco ardil. Fazei uma última prece, porque a minha lança já está pronta para trespassar o vosso coração enganador!

Furioso e incontrolável, o jovem lançou em disparada rumo a Hildebrando. De lança em punho, verteria o sangue do forasteiro, dedicando a vitória à memória do pai distante. Hildebrando viu a fúria do jovem na sua direcção. Palavra alguma demoveria o valente do seu propósito. O que fazer naquele momento, morrer nas mãos do filho? Defender-se diante da sua prole, como quem se defende de um feroz inimigo? Hildebrando sentiu o vento da lança do filho a aproximar-se do seu corpo, em um gesto instintivo, sem que se lhe apercebesse dele, ergueu a sua lança. No ar ecoou um grande grito de dor. Um corpo tombou no chão. O sangue lavou a terra das sementes da primavera. A morte já pairava no horizonte.

O cavaleiro sobrevivente desceu do seu cavalo. Era Hildebrando. Ajoelhou-se diante do corpo do filho, que emitia um último suspiro. Antes que a morte cortasse o cordão da vida, Hadubrand sorriu, reconhecera, no último instante, os olhos lacrimejantes do pai. Hildebrando abraçou-se ao corpo inerte do jovem. Matara tantos inimigos, e, tragicamente, encerrava a sua epopeia a verter o sangue do próprio filho, como se o céu lhe cobrasse todos os seus mortos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Clay


Zola Jesus - Clay Bodies, "The Spoils", 2009

sábado, 8 de janeiro de 2011

A serpente branca



Há muitos e muitos anos, vivia um rei muito celebrado pela sua sabedoria. Nada lhe era oculto. Era como se o conhecimento das coisas mais secretas lhe chegasse pelo ar. Mas tinha um estranho costume. Quando a refeição do meio-dia acabava, a mesa era tirada e não havia mais ninguém presente, um criado de confiança trazia-lhe um prato a mais. Esse prato era coberto. Nem mesmo o criado sabia o que havia ali dentro. Nem ele nem mais ninguém, porque o rei só tirava a tampa e comia, depois que ficava sozinho.

Um dia, o criado não agüentou mais de curiosidade. Secretamente levou o prato para o seu quarto, trancou a porta com cuidado e, quando levantou a tampa, viu que lá dentro havia uma serpente branca.

Depois de ver a cobra, não agüentou ficar sem provar. Cortou um pedaço bem pequeno e pô-lo na boca. Assim que o pedacinho da serpente tocou a sua língua, o criado começou a ouvir sussurros suaves e estranhos do lado de fora da janela. Quando se debruçou para ver o que era, descobriu que as vozes que murmuravam eram de pardais conversando, que contavam uns aos outros tudo o que tinham visto pelos bosques e campos. Provar a serpente tinha-lhe dado o poder de entender a linguagem das aves e dos animais.

Ora aconteceu que justamente naquele dia desapareceu o melhor anel da rainha. Como o criado de confiança tinha toda a liberdade para ir onde bem entendesse no palácio, suspeitaram que o tivesse roubado. O rei mandou chamá-lo e disse-lhe que, a não ser que ele desse o nome do ladrão até o dia seguinte, seria considerado culpado e decapitado. Não adiantou jurar inocência. O rei mandou-o embora sem uma palavra de consolo.

Com medo e sentindo-se desgraçado, o criado foi até ao quintal e ficou a pensar, a ver se encontrava uma maneira para sair daquela situação. Alguns patos estavam calmamente sentados à beira de um riacho, à vontade, alisando-se com o bico e conversando. O criado parou e escutou. Cada um dizia aos outros o que tinha acontecido em todos os lugares por onde tinha nadado naquela manhã, e toda a comida deliciosa que tinha comido. Mas um deles disse, queixoso:

— Estou com um peso no estômago... Estava a comer tão depressa que engoli um anel que estava no chão debaixo da janela da rainha...

O criado rapidamente agarrou o pato pelo pescoço, levou-o direto para a cozinha e disse ao cozinheiro:

— Olha só este pato gordo... e se o assasses?

— Pois é... — disse o cozinheiro, pesando o pato com a mão. — Já que ele se esforçou para ganhar tanto peso, é tempo agora de ir para o forno.

Cortou o pescoço do pato e depois, quando estava a limpar a ave para a assar, encontrou o anel da rainha no estômago. Com isso, não foi difícil o criado convencer o rei de sua inocência. Querendo reparar a injustiça que tinha feito, o rei perguntou-lhe se havia alguma coisa que ele desejasse, e ofereceu-lhe o cargo que ele quisesse na corte.

O criado recusou todas as honras e disse que só queria um cavalo e um pouco de dinheiro, porque desejava ver o mundo e viajar um bocado. O rei logo lhe deu o que queria, e ele partiu.

Um dia, passando por um lago, notou que três peixes estavam presos nuns caniços e estavam a ficar sem água. Dizem que os peixes são mudos, mas ele ouviu muito bem como eles gemiam, diante da morte horrível que os esperava. Como era um bom homem, desceu do cavalo e pôs os três cativos novamente na água. Eles puseram as cabecinhas de fora, abanando-se de alegria, e disseram:

— Vamos lembrar-nos disto e recompensá-lo por nos ter salvo.

Ele continuou o seu caminho e, pouco depois, ouviu uma voz que vinha da areia a seus pés. Prestou atenção e ouviu a queixa do rei das formigas:

— Se os humanos conseguissem manter os seus animais desajeitados bem longe de nós, seria óptimo! Este cavalo estúpido com cascos imensos e pesados está a esmagar o meu povo, sem piedade...

Ao ouvir aquilo, o criado saiu por um caminho lateral, e o rei das formigas gritou:

— Vamos lembrar-nos disso e recompensá-lo...

O caminho levava a uma floresta. Lá, ele viu um casal de corvos empurrando os filhotes para fora do ninho:

— Fora, seus marmanjões! — gritavam. — Não podemos mais encher as vossas barrigas. Já estão bem crescidos para arranjarem a vossa própria comida.

Os pobres filhotes batiam as asas desajeitados e não conseguiam levantar-se do chão.

— Ainda somos filhotes indefesos... — gritavam. — Como é que podemos arranjar comida se ainda nem sabemos voar? Vocês vão fazer-nos morrer de fome!

Ouvindo isso, o bom jovem apeou, matou o cavalo com a espada e deu a sua carne para alimentar os filhotes de corvo. Eles vieram saltitando, comeram até se fartar, e disseram:

— Vamos lembrar-nos disso e recompensá-lo.

Daí para a frente, seguiu a pé. Depois de muito caminhar, chegou a uma grande cidade. As ruas estavam cheias de barulho e movimento. Um homem a cavalo anunciava que a filha do rei estava procurando marido, mas que quem quisesse pedir a sua mão, precisava primeiro cumprir uma tarefa muito difícil e, se falhasse, perderia a vida. Muitos já tinham tentado, mas arriscaram a vida à toa. Quando o jovem viu a filha do rei, ficou tão estonteado com a sua beleza que se esqueceu do perigo, foi até o rei e apresentou-se como pretendente.

Foi levado diretamente à beira do mar. Lá, diante de seus olhos, atiraram à água um anel de ouro. Depois, o rei disse-lhe que ele tinha de ir buscar o anel ao fundo do mar. E acrescentou:

— Se saíres da água sem ele, serás atirado de volta, tantas vezes quantas necessário, até morreres nas ondas.

Os cortesãos ficaram com pena do jovem e lamentaram a sua sorte, tão bonito. Depois, deixaram-no sozinho na praia.

Ele ficou um pouco ali parado, pensando no que ia fazer. De repente, viu três peixes nadando em sua direção — justamente os três cujas vidas ele tinha salvo. O do meio tinha uma concha na boca. Depositou-a na praia, junto aos pés do rapaz. Quando pegou na concha e a abriu, viu que lá dentro estava o anel de ouro.

Todo contente, levou o anel até ao rei, esperando receber a recompensa prometida. Mas a princesa era muito orgulhosa e, quando viu que ele era inferior a ela em nascimento, desprezou-o e disse que ele ia tinha de cumprir uma segunda tarefa. Desceu até ao jardim e espalhou dez sacos cheios de farelo no meio da relva.

— Terás que recolher tudo até amanhã, antes do sol nascer — disse ela —, sem faltar um único grãozinho.

O rapaz sentou-se no jardim e começou a pensar numa maneira de cumprir a tarefa, mas não lhe ocorria nada. E lá ficou ele, tristíssimo, esperando que o levassem para a morte quando o dia nascesse. Mas quando os primeiros raios do sol chegaram ao jardim, ele viu que os dez sacos estavam de pé, cheios até à borda, sem faltar um grãozinho. O rei das formigas tinha vindo durante a noite, com milhares e milhares de formigas, e os bichinhos agradecidos tinham juntado todos os grãos de farelo dentro dos sacos outra vez.

A filha do rei veio em pessoa até ao jardim e ficou espantadíssima ao ver que a tarefa tinha sido cumprida. Mas o seu coração ainda se recusava a render-se. Por isso, ela disse:

— Ele cumpriu as duas tarefas. Mas não será meu marido enquanto não me trouxer um fruto da árvore da vida.

O rapaz nem sabia onde ficava a árvore da vida. Partiu procurando, resolvido a andar até onde as pernas o levassem, mas sem qualquer esperança de a encontrar.

Uma noite, depois de procurar por três reinos, chegou a uma floresta. Sentou-se debaixo de uma árvore e estava quase a dormir quando ouviu um barulho nos galhos e uma fruta de ouro caiu nas suas mãos. Ao mesmo tempo, três corvos desceram a voar da árvore, pousaram nos seus joelhos e disseram:

— Nós somos os filhotes de corvo que não deixaste morrer de fome. Quando crescemos e ouvimos dizer que estavas à procura da fruta de ouro, voámos por cima do mar até ao fim do mundo, onde cresce a árvore da vida, e encontrámos a fruta.

Muito contente, o rapaz voltou para casa. Deu a fruta de ouro à princesa e, depois disso, ela não tinha mais desculpa. Dividiram o fruto da vida e comeram-na juntos. O coração dela encheu-se de amor por ele, e os dois viveram felizes para sempre.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Cordão

VIBRAÇÃO: alma
PALAVRAS-CHAVE: iniciação, força de vontade
PONTO ALTO:  a sua alma está um pouco mais próxima da fonte
PONTO BAIXO: não é preciso controlar nada. Confie e entregue-se

O Cordão liga-nos à nossa mãe e é um símbolo do útero. É usado na magia para amarrar, para estabelecer fronteiras, para fazer pedidos e em ritos de iniciação. Os cordões coloridos também eram usados pelas parteiras, ao tecer preces pelo recém-nascido. Cada Cordão tem um significado, dependendo da sua cor. Por isso é possível trançar várias intenções diferentes, de acordo com as cores dos fios usados.

O Cordão indica um momento de iniciação nos mistérios da vida. Em qualquer iniciação, a alma é posta à prova para se saber se está mesmo preparada para crescer. No entanto, temos sempre algum controlo, pois já fizemos as escolhas que nos levaram a este ponto.

O Cordão também aponta para algumas restrições e para a necessidade de encararmos a verdade.

EXERCÍCIO DE MAGIA: Fazer um Cordão

Num período de lua nova, arranje três fitas de cores diferentes e entrelace-as enquanto pensa num desejo.
laranja, para ter sucesso; amarelo para sabedoria; verde para prosperidade, azul-claro para ter saúde; cor-de-rosa para ter amor e violeta para ter sorte. O vermelho e o branco representam o masculino e o feminino, respectivamente. Se quiser, também pode acrescentar amuletos.

MORNINGSTAR, Sally, O Livro Wicca
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