terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Traga-Mouros



Traga-Mouros era um dos mais valentes guerreiros da corte de Afonso Henriques, e um dos melhores poetas também. De resto, o nome por que era conhecido Gonçalo Ermiges, ao uso do tempo, diz o suficiente para que não seja necessário acrescentar seja o que for a respeito do seu modo de vida e da sua coragem.

Um outro facto, contudo, veio a torná-Ilo conhecido no seu tempo, tão conhecido que a história chegou até nós:  o seu amor pela moura Fátima, de Alcácer do Sal. Deste amor ficou-nos uma lenda donde se diz provirem os nomes das povoações de Fátima e Vila Nova de Ourém.

Numa surtida que fizera a Alcácer, o Traga-Mouros tivera oportunidade de ver, de longe, a moura Fátima,
enquanto esta esperava na fonte que a cantarinha se enchesse. Seus olhos tinham ficado presos nela sem que
desse por isso, e penso até que jamais voltou a reavê-los, nem mesmo quando a Morte, a velha glutona insaciável, lhe levou Fátima de ao pé de si.

Gonçalo Ermiges, apaixonado pela moura, decidiu raptá-la. Como ela vivia no fortissimo reduto mouro de Alcácer do Sal, foi-lhe necessário forjar um bom plano para que, com poucos homens, a pudesse trazer sem danos para ela e para os cavaleiros que iam auxiliá-lo na arrojada empresa. Como todo o bom guerreiro cristão, o Traga-Mouros conhecia bem os usos e costumes do inimigo. Além disso, ele era cavaleiro de bastante experiência e sabedoria, o que facilitava a sua busca de solução para o caso.

Assim, sabendo que os mouros tinham por uso, no dia de S. João, sair a passear e a folgar nos campos, escolheu essa altura para montar a emboscada perto de Alcácer do Sal. Reuniu alguns guerreiros, daqueles que por puro prazer de lutar e por amizade profunda estão sempre prontos a tudo,e saiu de Almada, cavalgando silenciosamente pelos locais mais sombrios, na véspera deS. João.

Rompeu em esplendor e suavidade colorida esse dia que é o maior do ano. Os mouros, mal a aurora chegou, começaram a sair da vila, descuidados e alegres, já que estavam em paz com os cristãos. Espraiaram-se pelos campos, cantando e bailando como uma onda de cor e movimento a destacar-se alegre do seu imenso manto verde.

Os emboscados mantiveram-se silenciosos e quedos até Fátima aparecer rodeada de toda a sua familia. Esperaram que o grupo se distanciasse bastante da muralha da vila, e então Gonçalo Ermiges, com um grito imenso que silenciou a planície, esporeou o ginete e partiu à desfilada em direcção a Fátima. Golpeou os seus acompanhantes, que ousaram desembainhar o alfange, arrancou-a da montada e pô-la na sua própria
sela, partindo em louca galopada em direcção a Almada. Pouco tempo depois irrompiam pela mesma porta os companheiros do Traga-Mouros, cobertos de sangue e carregados com os despojos da chacina.

Diz a lenda que Gonçalo Ermiges levou dali a moura Fátima para os seus dominios. Fê-la baptizar e deu-lhe o nome  cristão de Oureana. Ele, por seu lado, trocou a cota, o lorigão e o montante pelo alaúde e a poesia.

Durante muitos meses viveram apaixonados e felizes, entregues a uma vida de deleite que teria durado muito
tempo se Deus assim o tivesse desejado. Contudo, Oureana foi levada inesperadamente pela morte, deixando o Traga-Mouros chorando o desaparecimento da sua bela Fátima.



Um dia, porém, Gonçalo Ermiges, o homem que fora conhecido no mundo pelo Traga-Mouros, fugiu das vistas de toda a gente. Vestiu o hábito de São Bernardo e fundou um eremitério, que mais tarde veio a ser o mosteiro de Tomareis, onde morreu como abade.

Diz a lenda que de Oureana provém o topónimo Ourém - Vila Nova de Ourém -, assim como Fátima,
na mesma regiao, permaneceu em memória do nome mourisco da esposa do Traga-Mouros.

Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas
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