sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Castelo de D. Branca


Em Currelos, no concelho de Carregal do Sal, há um antigo castelo quadrangular com janelas ogivais, ao qual o povo chama Castelo de D. Branca. Conta a lenda que D. Branca de Vilhena vivia feliz com seu marido no castelo das janelas ogivais até ao dia em que pariu um par de gémeos.

Não podendo acreditar que eram ambos filhos do mesmo pai e, por outro lado, tendo consciência absoluta de não ter conhecido outro homem, D. Branca entrou em pânico. Que diria de si aquele marido tão amigo? Certamente ia escorraçá-la mais os filhos, ou mandá-la expor no pelourinho para vergonha pública! Não, antes mandar matar uma das crianças e viver em paz o resto da vida!

Mandou chamar um pajem de sua muita confiança, entregou-lhe o menino que nascera em segundo lugar e ordenou que o fizesse desaparecer para todo o sempre. E como prova de que a sua ordem fora executada, disse ao rapaz que lhe trouxesse a língua da criança. O pajem lá partiu para cumprir a sua ordem, sentindo um nó na garganta e o estômago revolto com a crueldade. Seguia Mondego abaixo quando encontrou o seu senhor e decidiu contar-lhe tudo.

O fidalgo mandou-o arrancar a língua a um cão e levá-la a D. Branca, para que descansasse. Depois pegou no menino e foi entregá-lo a um moleiro, muito em segredo, para que o criassem sem que nada lhe faltasse, trazendo-o sempre vestido como andava o irmão.

Passou-se o tempo, e um dia, pela festa do Espírito Santo, o menino do moleiro veio à romaria. O fidalgo, D. Branca e a outra criança saíram também do seu castelo, para irem à festa. No caminho encontraram-se todos e o fidalgo, apontando a criança que o moleiro trazia em cima do burro, vestida como o seu filho, disse a D. Branca:

- Ora aqui está um menino que se parece com o nosso! Era digno de viver com ele e de ser nosso filho! D. Branca empalideceu e não disse palavra. Dentro de si estalaram todas as certezas laboriosamente construídas ao longo daqueles anos de remorsos e saudades. Percebendo que o marido sabia de tudo, pegou no menino, levou-o para casa e sentou-o à mesa, onde pela primeira vez comeu com a sua famíia. Deitou-o depois na cama com o irmão e aconchegou-lhes a roupa.

Era noite fechada quando D. Branca se aproximou como que distraída de uma das janelas do castelo. Só quando o fidalgo, sentado de costas para as janelas, em frente da lareira, ficou sem resposta a uma sua pergunta, se apercebeu de que D. Branca desaparecera. Lá em baixo brilhava ao luar o seu corpo, de costas para a vida.

Dali por diante, todas as noites andava pela margem do Mondego o fantasma branco e brilhante de D. Branca, penando no local em que mandara afogar o seu filho. Diz-se que a acompanhava o Diabo, branco e brilhante como ela, em forma de mastim.

Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores
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