domingo, 4 de julho de 2010

A Lenda dos Marinhos

Um fidalgo da Terra de Valadares, junto à Galiza, de nome D.Froiaz, que era caçador e monteiro-mor, andava um dia a cavalo, perto do mar, correndo atrás de um veado, quando avistou da encosta de um monte uma belíssima mulher adormecida sobre a areia. Aproximando-se sem que ela desse por isso, viu espantado que a muher era nada menos do que uma sereia.

Sentindo-se observada no seu sono pausado e sem sonhos, a sereia acordou sobressaltada e procurou escapar-se para o mar. Porém, dois dos escudeiros de D.Froiaz barraram-lhe o caminho e agarraram-na. Defendeu-se o melhor que pôde, usando as mãos,dando golpes com a cauda, mas de nada lhe valeu, porque num ápice os braços dos homens fecharam-se sobre ela e achou-se presa em cima do cavalo e coberta por um gibão.

D.Froiaz levou-a para o castelo. Ia encantado com aquele ser que o mar trouxera. Pediu ao capelão que a baptizasse e escolheu-lhe o nome de Marinha, a dona vinda do mar. Tão formosa era D. Marinha que o cavaleiro passou a viver com ela como se sua mulher fosse e dela lhe nasceu o primogénito.

Como os peixes, D.Marinha era muda. Apesar dos infindos esforços de D.Froiaz, que não se poupou a trabalhos, não conseguiram que D.Marinha articulasse um som sequer. No entanto, os olhos da sereia eram um mar de palavras desnecessárias, revoltos de amor, encapelados de ternura. D.Marinha não precisava falar, mas a D.Froiaz faltava-lhe ouvi-la humana.

Na véspera de S.João, pela tarde, alvoroçou-se o castelo com os preparativos para os festejos nocturnos. Tinham juntado lenha em grandes pilhas e começavam a acender as tradicionais fogueiras que deveriam consumir a noite. Bois e carneiros estavam já esfolados e enfiados em grandes espetos assando lentamente com o rodar das horas.

D.Marinha andava passeando pelo terreiro com o filho nos braços, observando
aqueles preparativos totalmente novos, completamente desconhecidos para si.
De súbito D.Froiaz arrancou-lhe o menino dos braços e fez menção de o atirar ao fogo. Enlouquecida, a sereia soltou um guincho estridente de gaivota ferida e bradou:
- Filho!!

Com o guincho saltou-lhe da boca um bocado de carne que a impedia de falar, mas não de olhar. A partir daí, D. Marinha passou a dizer tudo naturalmente e acabou esquecendo a linguagem silenciosa e vital do mar.

D.Froiaz casou com ela e em memória deste dia a que chamou feliz, baptizou a criança com o nome de João Froiaz Marinho.

Foi este o primeiro dos Marinhos, como foi o primeiro filho de D.Froiaz e de D.Marinha. A sua casa era muito perto da Galiza, na Terra de Valadares, e chamavam-lhe Torre dos Marinhos.

Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, Amigos do Livro Editores


Fotografia de Toni Frissell
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